terça-feira, 24 de novembro de 2015

Submissão, um livro de Michel Houellebecq

Um livro extremamente atual para se ler e conversar, ainda mais após os atentados na França neste mês de Novembro.
Houellebecq nos convida a participar de uma eleição presidencial francesa, onde, de um lado temos um partido muçulmano e do outro, um partido de extrema direita. O personagem principal é um professor universitário, de literatura, deprimido e rotineiro, que não encontra muitas felicidades na vida.
A obra por um longo tempo explora esta tensão entre a possibilidade de um partido muçulmano ganhar as eleições e as revoltas civis ao longo de toda a França que não concordam com esta possibilidade.
Penso, que Houellebecq acerta a mão em trazer um assunto fantástico para a literatura, mas este acerto não se ratifica quando lemos seu livro. Falto bagagem, história e dinamismo no enredo. O leitor, ao acabar o livro se pergunta: era isso? Um assunto tão bom, para terminar desta maneira?
Talvez o erro não seja do autor, mas nosso, que esperamos da literatura grandes momentos, conflitos e soluções mágicas. Submissão (2015) não trouxe isto e penso que não era trazer. Michel Houellebecq pode muito bem ter pensado sem grandes expectativas e nos colocado a seguinte afirmação: "é isso mesmo! Se um partido muçulmano ganhar as eleições na França,não temos por que imaginar que estaríamos a beira de uma terceira guerra mundial".
O assunto vale o livro, mas o livro não preenche todo o assunto.

José Saramago: As intermitências da Morte

Foi o primeiro livro que li de Saramago e já posso dizer que virei seu leitor. A maneira como ele conduz a história, não deixando o folego e a atenção do leitor se perder e as situações hipotéticas que ele cria, fazem de sua narrativa um belo convite para quem quer se aventurar e aprofundar seus gostos literários.  – Não da para viver de culpa das estrelas para sempre.
Imagine, se na virada do ano a morte deixasse de existir. Ou melhor, a morte desse uma pausa em seus "trabalhos". É a partir desta premissa que a obra As intermitências da Morte (2005) chama a atenção. Primeiro, pelo assunto fantástico e a questão: como ele vai resolver e dar volume a esta história? Segundo, a possibilidade de refletir a importância deste acontecimento na vida de todos, e, que consequências drásticas isto pode causar ao mundo.
Saramago começa seu enredo sem rodeios, prendendo logo no primeiro parágrafo a maioria de seus leitores:
 “No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e noturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada” (SARAMAGO, 2005, p11).
A história, para quem começa a lê-la se compreende em um país hipotético onde a morte deixa de existir e os personagens da trama, seus cidadãos, terão que lidar com esta novidade. Os hospitais, as pessoas que estavam à beira da falência, a rainha deste país que estava falecendo e não mais morreu, ou seja, Saramago nos capítulos iniciais vai demonstrando o que acarreta a saída da morte na vida das pessoas. As clinicas de repouso, os agentes funerários, a própria religião (e ai é interessante lembrarmos que o autor é um ferrenho ateu) e o próprio estado civil, a política. Em uma conversa entre o primeiro-ministro (estado) e o Papa (religião) esta problemática se evidencia:
“Diga, Que irá fazer a igreja se nunca mais ninguém morrer, Nunca mais é demasiado tempo, mesmo tratando-se da morte, senhor primeiro-ministro, Creio que não me respondeu, eminência, Devolvo-lhe a pergunta, que vai fazer o estado se nunca mais ninguém morrer, O estado tentará sobreviver, ainda que eu muito duvide de que o venha a conseguir, mas a igreja, A igreja, senhor primeiro-ministro, habituou-se de tal maneira às respostas eternas que não posso imaginá-la a dar outras, Ainda que a realidade as contradiga, Desde o princípio que nós não temos feito outra cousa que contradizer a realidade, e aqui estamos” (SARAMAGO, 2005,p.20).
É importante salientarmos que as pessoas continuam envelhecendo. Elas não morrem, mas seu corpo biológico continua em processo de envelhecimento, surgindo assim, cemitérios de pessoas vivas.  A morte só existirá nos países vizinhos o que acarretará o surgimento de máfias que se propõem a levar as pessoas para morrerem nas fronteiras do país, suscitando um problema para o Estado. 
De um tema que na teoria, não podíamos imaginar que houvesse folego, Saramago não só coloca folego a temática, como nos faz correr longas distancias ao ponto de percebermos que a história não é sobre um país, nem sobre seus cidadãos que enfrentam essa novidade, “benção”, castigo, mas é a história da própria morte.
A morte passa a ser um personagem, e sendo um personagem nos convida para compreende-la enquanto tal. Acredito, que o livro As Intermitências da Morte nos propõe inúmeras reflexões, mas acima de tudo, o final que o autor português nos apresenta, é um final surpreendente que nos deixa parados, diante de tamanha astucia e originalidade literária.
Pena que a morte não parou para José Saramago.


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Com a “morte de Deus” Deus ressuscita



O homem “evolui” a estágios nunca antes vistos na história deste planeta. Hoje, ele busca colocar em lei que matar não “é tão crime assim”; que criança não pensa e por isso, pode ser descartada numa lata de lixo, ou em hospitais que beiram estados de lixeira; que um bandido “não é tão bandido” – culpa é da Nike, da Coca-Cola, dos EUA e do Mc Donald’s – demônios do capitalismo, que fizeram aquele pobre coitado não querer o suar do trabalho, e, sim, preferir o suor da fuga da política e da lei. Evoluiu tanto e tanto que chegou aos céus, e ao ver Deus no trono celeste decidiu, sem cerimonias: “Já que cheguei até aqui – pensou este homem - desce dai, o lugar é meu!”.
O homem que Nietzsche formula é aquele que decreta a “morte de deus”. Mas o próprio filósofo alemão adverte que não é a morte “física” do divino, somente o “Deus moral foi superado”. Em outros de seus textos, Nietzsche conclui que este falecimento ainda deixará rastros, sombras que continuaram a se projetar sobre nosso mundo.
Na obra Depois da Cristandade (2004), do filósofo italiano Gianni Vattimo, o autor esta problematizando justamente esta questão: “até que ponto, o que Nietzsche chama de morte de Deus (ou superação do Deus moral), [...] implica realmente o término de qualquer possível experiência religiosa”.
Para Vattimo (2004) a crença em um Deus foi um agente muito poderoso tanto no campo da razão, quanto no campo da disciplina. Esta crença permitiu não só a saída do primitivismo, como também o favorecimento da construção de uma visão cientifica do mundo.
Se por um tempo Deus foi tão necessário para a construção do individuo, hoje, no estado civil – onde a técnica suplanta a vida – ele é descartado, colocado como uma mentira, que por um tempo foi útil, mas que agora não possui utilidade nenhuma. Esta é a própria defesa do mundo tecnicista: se não há utilidade não tem por que existir. Será nesta esteira de pensamento que Nietzsche afirmará que quem matou deus foram os próprios fiéis.
Com a morte de Deus, o “único” deu lugar ao “múltiplo”. Entramos na construção da torre de babel, onde a ideia unificada de cultura, lei, religião, homem, progresso – e a própria unidade do mundo – fragmentou-se diante da pluralidade. É como se antes da morte de Deus, houvesse um único jeito de pensar, ser e agir. Após seu falecimento, toda uma multiplicidade de opções apresentou-se diante dos olhos do homem e a própria concepção de verdade seguiu o mesmo caminho. Se antes a verdade era Deus, com sua morte, surge a questão: o que é a verdade agora?
Nietzsche ao “matar Deus”, afirmava que em seu lugar nasceriam novos deuses, e acredito, assim como Vattimo, que ele estava correto. O mundo contemporâneo faz inveja a toda mitologia grega e romana. Quando o deus cristão foi morto, o mundo se abriu aos deuses de todo o mundo, ou seja, saímos da ideia europeia, cristã de deidade, e passamos a conhecer deuses das mais diferentes religiões espalhadas por todo o globo terrestre.
Mas, Nietzsche, ao atirar para matar Deus, erra o alvo e acaba atirando no próprio pé. A porta que ele fecha na cara de Deus e abre para o pluralismo, é a mesma porta que fará Deus entrar na sociedade novamente.  Quando ele afirma que “Deus morreu”, e entendemos esta morte como o fim de uma verdade única, de uma moral única, ele abriu não só para a pluralidade de novos pensamentos, mas também para o próprio deus existir nesta pluralidade. Se antes Deus era único, com sua morte anunciada por Nietzsche ele passa a ser mais um, e não morre definitivamente.
Agora, Deus tem “companhia” e saber conversar com os outros é o principio legitimo de uma sociedade que se diz evoluída e que respeita os diferentes. Aqui está a gênese desta nova história: entender o que é diferente religiosamente e até que ponto este diferente se caracteriza como tal e não como afronta aos princípios de vida e liberdade.
O problema não encontra-se na existência de Deus, mas na no “como” você faz esta presença ser sentida no mundo seu e dos demais.


sábado, 26 de julho de 2014

O ato de manifestar

              Manifestar todos se manifestam. Um filho que grita no meio de um supermercado pedindo para seus pais comprarem um determinado doce já é uma manifestação e das mais legitimas.
            No dicionário vemos claramente esse verbete dizendo: “tornar público ou notório; mostrar; revelar, afirmar”. Na sociedade da visibilidade onde ser é aparecer, manifestar-se tornou a coqueluche dos jovens modernos que nasceram nas lentes do Big Brother Brasil e morreram nos fleches do Snap ou Instagran.
            A manifestação, mais do que um meio de expressão e de liberdade que só a democracia pode conceder, é, nos dias de hoje, um meio de visibilidade e status social. A questão é o quanto isso é importante para o país e de que forma se estruturam.
            As pessoas que saem nas ruas não demonstram claramente a defesa que estão fazendo ou bradando em diversos gritos. É uma massa sem consonância que grita por gritar sem ter um mínimo de estrutura e embasamento para estar ali. Vemos isso nas grandes manifestações do ano passado que demonstraram essa disparidade: uns pediam não a corrupção, outros não a copa, alguns falavam de educação e outros ainda criticavam o governo atual. Válido? Tenho minhas dúvidas. Pois quando cada um fala uma coisa ninguém fala nada.
            Falta dar nomes aos culpados. Manifestar por mais isso menos aquilo é digno, mas se não apontarmos o dedo em uma pessoa, nada adiantará. É aquilo que no julgamento dos crimes da Segunda Guerra Mundial chamava-se de “culpa coletiva”. Onde todos são culpados, ninguém é julgado. “Todos os políticos são ruins! Todos são corruptos! Todos roubam” é declarar que ninguém deve ser investigado.
            Vivemos a era da imagem e não estamos nem um pouco preocupados com o conteúdo que estamos demonstrando. O importante é gritar, colocar para fora sem buscar culpados, sem possuir embasamento.
            Enquanto fazemos isso, mudamos a superfície, fazemos a imagem, a figuração, mas a base e a estrutura permanece a mesma. 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Não dá pra defender né?


Chefão do Hamas confessa: grupo terrorista usa, sim, escudos humanos e ainda convoca população a morrer

Quando se fala que o Hamas recorre a escudos humanos no confronto com Israel, o que, obviamente, provoca um grande número de mortos, muitos críticos da política israelense contestam o que é uma evidência. Dizem que essa afirmação faz parte da máquina de propaganda de Israel. Será mesmo?
Abaixo, há um vídeo do dia 8 deste mês. Trata-se de uma entrevista que o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, concede à Al-Aqsa TV, que é a televisão do Hamas. Prestem atenção, em especial a partir dos 32s. Traduzo na sequência.
A tradução
Entrevistador – As pessoas estão adotando o método dos escudos humanos, que foi bem-sucedido nos tempos do mártir Nyzar Rayan…
Porta-voz – Isso comprova o caráter dos nossos nobres, dos nossos lutadores da Jihad. São pessoas que defendem seus direitos e suas casas com o seu corpo e com o seu sangue. A política de pessoas que enfrentam aviões israelenses de peito aberto, a fim de proteger as suas casas, provou ser eficaz contra a ocupação (israelense). Além disso, essa política reflete o caráter dos nossos bravos, que são pessoas corajosas. Nós, do Hamas, convocamos o nosso povo para que adote essa política, a fim de proteger as casas palestinas.
Voltei
É estupefaciente! Aí está a confissão de que o Hamas adota a prática dos escudos humanos e, pior do que isso, faz dela uma política oficial. Só para esclarecer: Nyzar Rayan era um terrorista religioso do Hamas, que foi morto por Israel em 2009. Para se ter uma ideia: ele enviou um de seus filhos numa missão suicida, que matou dois judeus.
Assim, quando afirmo que Israel busca fazer o menor número de vítimas entre os seus e que o Hamas procura fazer justamente o contrário, não estou a dar uma mera opinião, com base em algum achismo ou em algum preconceito. Sami Abu Zuhri, o porta-voz do movimento terrorista, está dizendo que é assim mesmo. Como ele deixa claro, para o Hamas, a morte enobrece e prova a grandeza dos que oferecem o próprio corpo e o próprio sangue para a causa. Nessa perspectiva macabra, quanto mais mortes, mais, então, o movimento teria com que se regozijar.
É assustador? É sim. Como se nota, não colhi essa informação no material de propaganda “sionista”, como gostam de dizer alguns tolos. Eu estou aqui reproduzindo uma convicção e um credo do próprio Hamas. É fácil sair à rua carregando a bandeira palestina porque, afinal, há 190 mortos de um lado e um do outro. A questão é saber como se produziram esses cadáveres. Um dos chefões deixa claro: trata-se de uma política da morte adotada pelo grupo. E eles convocam a população a aderir. Israel avisa previamente quais são os alvos. A ordem é ficar para morrer.
Nessa perspectiva, quanto mais cadáveres, melhor!

fonte:
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/chefao-do-hamas-confessa-grupo-terrorista-usa-sim-escudos-humanos-e-ainda-convoca-populacao-a-morrer/

Analise do Livro:Guerra e Paz, Liev Tolstói

O livro Guerra e Paz de Liev Tostói é um clássico da literatura universal. Foi escrito durante seis anos e possui um embasamento histórico gigantesco, pois ela se passa dentro da século XIX onde encontramos a invasão de Napoleão na Rússia decorrente da revolução francesa.
 A versão original do texto possui mais de 1200 páginas. Esse que escrevo é sobre uma adaptação que buscou mostrar de forma objetiva o cerne do enredo: com casamentos arranjados, a hipocrisia das relações na burguesia russa e os problemas encontrados nos campos de batalha.
Não encontramos uma única história, mas vários enredos que em determinados momentos e ocasiões (festas, jantares) elas se cruzam. É como se víssemos  determinadas famílias e seus comportamentos ao longo daquele período.

Iniciei a leitura com preconceito, mas termino-a indicando a todos que gostam de entender a história por detrás da história.  

Hannah Arendt: A Banalidade do Mal (PARTE II)

A maior polemica estava na analise sobre a capacidade humana de julgar, isto é, aquela faculdade que permite discernir sobre o que é certo e errado.  A obediência como virtude foi à base da condição verdadeiramente desprezível da possibilidade do nazismo enquanto um modelo de assassinatos em massa. O que fez também Hannah impressionar-se com o adesismo inquestionável de parcelas significativas da sociedade alemã, mesmo aquelas altamente formadas nos princípios morais mais sofisticados. “A situação era tão simples quanto desesperada: a esmagadora maioria do povo alemão acreditava em Hitler” por mais educada e moralmente formada que fosse essa sociedade.
Muitas vezes se disse que a asfixia dos doentes mentais teve de ser suspensa na Alemanha por causa de protestos da população e de uns poucos dignitários corajosos das igrejas; no entanto, nenhum protesto desse tipo foi feito quando o programa voltou-se para a asfixia de judeus, embora alguns centros de extermínio estivessem localizados no que era então território alemão, cercados por populações alemãs. (Arendt)
As criticas feitas por Hannah Arendt ao comportamento da sociedade fez elencar três fatores que contribuíram para explicar o fracasso moral vivenciado na Europa daqueles tempos sombrios. Primeiro a teoria da peça de engrenagem; teoria essa que os advogados de Eichmann utilizaram para dizer que ele era apenas mais uma peça de uma grande engrenagem do terror. A promotoria usou a mesma linha de raciocínio e colocou o acusado não como mais uma peça, mas como o motor do Holocausto. Hannah também estava convencida do fato de Eichmann pertencer a uma estrutura organizacional e de que poderia ser trocado,como uma peça, por outro burocrata qualquer, que faria a mesmíssima coisa em seu lugar, pois afinal não se tratava de uma maldade especifica (demoníaca,patológica ou ideológica), mas do cumprimento de funções de Estado.
O segundo ponto refere-se à teoria da culpa coletiva, não tirando a responsabilidade – no caso de Eichmann – do mal realizado. Pois ele, como qualquer outro burocrata, tinha,sim,responsabilidades, pois tinha a possibilidade de escolha, inerente à sua condição humana.  A fidelidade ao trabalho realizado, tantas vezes declarada pelo réu, era um agravante. Se ele se tivesse apresentado à corte dizendo que era obrigado a fazer o que fazia, mas procurava não cumprir plenamente as ordens recebidas a fim de salvar vidas, ele ainda assim seria responsável, mas talvez pudesse contar com alguns atenuantes. Porém Eichmann dizia-se um cumpridor fiel das ordens, que seu ideal de vida era cumprir seu dever e fazer seu trabalho com precisão e eficiência e, ainda mais, sentia-se envergonhado quando no tribunal era levado a admitir que não cumpria algumas ordens recebidas, ainda que essa desobediência tivesse significado salvar centenas de vidas humanas.  Essa responsabilidade não poderia ser universal , mas só poderia ocorrer – segundo Hannah – através da particularidade. Esse era o tema central da ética arendtiana, pois a responsabilidade pessoal não pode ser transferida para um sistema, ainda que se trabalhe sob uma ditadura. Ao rebater essa teoria,a autora insiste na liberdade que caracteriza fundamentalmente a ação humana, que funda e exige toda e qualquer formação moral.  Essa teoria da culpa coletiva surgiu justamente dentro do julgamento de Eichmann que disse que se considerava culpado perante Deus, não perante a lei. Para Arendt a culpabilidade é algo individual, por isso passível de penalidade jurídicas. Ela faz então uma distinção entre culpa (individual) e responsabilidade (coletiva), por considerar que “onde todos são culpados, ninguém é” ou seja, se todos têm culpa, ninguém efetivamente pode ser julgado. Se ninguém pode ser julgado, ninguém é imputável pelos crimes.
O terceiro e ultimo tema dessa critica a sociedade européia daquela época se detêm na voz da consciência . O ponto fundamental é se Eichmann podia ouvir essa voz que chamamos de consciência, se ele podia acessar um conjunto de valores morais que informasse sobre o horror do qual ele fazia parte. Se ele era perturbado por esse outro que nos habita, que às vezes somos nós mesmos e outras vezes um outro moralmente significativo que nos fala.A voz da consciência não é algo dado naturalmente, mas sim algo construído coletiva e intersubjetivamente.

Dessa forma entendemos que as barbáries cometidas por Eichmann não se fundamentam na inveja,no ódio,na cobiça, nem mesmo na estupidez (desconhecimento), mas sim na irreflexão. Essa é a hipótese central de Hannah Arendt em A vida do Espírito. Nessa obra, ela delineia a relação entre a banalidade do mal e o vazio do pensamento. Aquele homem não era monstruoso, enfermo ou demoníaco: nele também não se encontram grandes convicções ideológicas ou partidárias. A mais determinante para explicar seu comportamento era a sua incapacidade para o pensar. O que tornava Eichmann uma aberração era o fato de ele nunca haver experimentado as exigências do pensamento diante dos acontecimentos. A questão que a filósofa se propõe a aprofundar, então, é a ausência do pensamento e sua possível relação com os atos maus. A sua proporção é que a incapacidade de pensar oferece um ambiente privilegiado para o fracasso moral. 

terça-feira, 22 de julho de 2014

Hannah Arendt: A Banalidade do Mal (PARTE I)

A ética de Hannah Arendt esta muito concentrada num processo de consciência, ou melhor, dizendo, uma formação da consciência para se agir eticamente. Esse processo de pensar que para a autora é um “sair do mundo” pode nos levar até o personagem central que desencadeou essa tomada de pensamento na filosofia de Arendt, Adolf Eichmann.  Esse livro foi considerado o livro mais polemico em língua inglesa da década de sessenta, levando em conta o numero de artigos, cartas publicas, debates, replicas, treplicas, defensores e detratores que a obra envolveu.
            Para iniciar essa caminhada no pensamento ético de Hannah é necessário entendermos primeiramente Eichmann e principalmente seu emprego: o burocrata. Para um burocrata, a função que lhe é própria não é de responsabilidades, mas sim o de fazer. Ou seja, não é o pensar, mas o agir. Daí que o burocrata só sabe dizer: “Eu só cumpro ordens”. Tanto que Eichmann vai dizer em seu julgamento: “Não sou o mostro que fazem de mim”. Sua culpa provinha de sua obediência, e a obediência é louvada como virtude. Sua virtude tinha sido abusada pelos lideres nazistas. Mas ele não era membro do grupo dominante, é bom deixar claro, ele era uma vitima, e só os lideres mereciam punição. Dessa forma Eichmann era considerado um homem virtuoso, pois como ele mês diz no livro A Banalidade do Mal “minha honra é minha lealdade”, mas seu erro foi obedecer ordens e seguir leis, pois ele sempre tomou o cuidado de agir conforme determinações superiores.
            Eichmann era um cumpridor de seus deveres; não se corrompia nem desrespeitava as normas vigentes; cumpria com eficiência o seu dever: encaminhar de maneira eficiente milhares de judeus para a morte. Ele realizou o exercício de livre escolha como se fosse um animal condicionado, não agiu espontaneamente ou tomou iniciativa, ele evitou a responsabilidade e não julgou. Ele agiu como se fosse condicionado. Ele não era um mostro, pelo contrario, era um homem comum. O problema dele era exatamente que muitos eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais, vai dizer Arendt.
            A normalidade de Eichmann assustou Hannah Arendt e coloco-a em busca de novos modelos explicativos para o mal, para além do determinismo histórico e da distorção ideológica do nazismo, negando as teorias do mal como patologia, possessão demoníaca, determinismo históricos ou alienação ideológica. Assim, o mal não pode ser explicado como uma fatalidade, mas sim caracterizado como uma possibilidade da liberdade humana. Eichmann não era um mostro, tanto que era um bom pai de família, um filho exemplar e um irmão dedicado, mas mesmo com essas normalidades seus atos demonstraram uma monstruosidade macabra, já que sua tarefa era de organizar as deportações de judeus, levando-os diretamente para os campos de concentração.  “Eichmann representava o melhor exemplo de um assassino de massa que era, ao mesmo tempo, um perfeito homem de família”. Essa percepção de que Eichmann era um homem comum, de superficialidade e mediocridade aparentes, deixou Hannah Arendt atônita, ao avaliar a proporção do mal por ele cometido. É a partir dessa percepção que ela formula a sua concepção de banalidade do mal.
            O mal é como um fungo, não tem raiz, nem semente, mas espalha-se sobre uma superfície especifica, a massa de cidadãos inaptos para a capacidade de pensar e incapazes de dar significado aos acontecimentos e aos próprios atos.  (Assy,2001a,p.152)
            Precisamos deixar bem claro que a banalidade do mal aqui não significa a inocência do nosso acusado, nem muito menos, que a banalidade signifique normalidade. Primeiro, a expressão banalidade do mal não quer ser uma justificativa para as monstruosidades de Eichmann nem significa que Arendt negligencia a imputabilidade do réu. Hannah Arendt estava convencida de Eichmann era responsável pelos seus crimes e deveria ser punido. Ao descrever Eichmann como banal, ela não visava torná-lo menos imputável, “não estava buscando isentá-lo dos atos ilícitos que efetivamente cometeu, mas compreender o tipo de mentalidade que poderia contribuir para o surgimento de indivíduos como ele” (Correia, 2004, p95). O conceito de banalidade não quer abrir precedentes para uma suposta inocência do réu,m
as tão somente entender um fenômeno.
            Banalidade aqui não entra como algo sem importância, sem valor. Hannah Arendt afirma que a banalidade não significa uma bagatela nem uma coisa que se produza frequentemente. Hannah distingue banal de lugar-comum. Lugar-comum diz respeito a um fenômeno que é comum, trivial, cotidiano, que acontece com frequência, com Constancia, com regularidade. Banal, por sua vez, não pressupõe algo que seja comum, mas algo que esteja ocupando o espaço do que é comum. Um ato mau torna-se banal não por ser comum, mas por ser vivenciado como se fosse algo comum. A banalidade não é normalidade, mas passa-se por ela, ocupa indevidamente o lugar da normalidade. “O mal por si nunca é trivial, embora ele possa se manifestar de tal maneira que passe a ocupar o lugar daquilo que é comum” (Assy,2001ª,p.144).

            Mas como o mal pode tornar-se banal? Como a monstruosidade dos assassinatos em massa puderam tornar-se fatos corriqueiros, trivializados, como se fossem comuns? Como o mal pôde ocupar o lugar da normalidade e esconder o seu próprio horror? Essa resposta só pode ser encontrada em cima de dois termos que a filósofa usa para responder a esses questionamentos: superficialidade e a superfluidade. O mal se torna banal porque os seus agentes são superficiais e suas vitimas consideras supérfluas.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

A multicoloração da única cor

           Parece que falar contra as cotas raciais é assinar um documento onde você atesta ser racista.  Vivemos a era das minorias, onde o que importa é ser o mais diferente possível para conseguir reclamar não direitos, mas privilégios. “É a era moderna, que separa o mundo em opressores e oprimidos com base em abstrações coletivas” (CONSTANTINO, 2011, p.286).
            Luis Felipe Ponde, filósofo, escreve em seu livro Guia politicamente incorreto da filosofia a grande verdade da nossa sociedade: “A diferença entre a velha esquerda e a nova esquerda é que, para a velha, a classe que salvaria o mundo seria o proletariado (os pobres), enquanto, para a nova, é todo tipo de grupo de ‘excluídos’: mulheres, negros, gays, aborígenes, índios, marcianos”.
            Hoje para entrar numa faculdade não é necessário mais estudar. Isso é coisa para países evoluídos que diferem assistencialismo de meritocracia. Na colônia chamada Brasil basta você se enquadrar numa minoria e pronto: diploma na mão.
            O problema não esta em apenas dar cotas para negros, índios e surfs, mas mascarar o problema das instituições de ensino. Por que invés de dar cotas, não damos educação de qualidade? Porque não iniciamos um processo educacional verdadeiro e paremos de sucatear o ensino de nosso país? Parece mais fácil dar uma porcentagem das vagas para alunos que nem sabem o que é porcentagem.  
            Nos EUA há mais de 40 anos existe esse privilegio e quando analisamos a condição social do negro o que encontramos? Negros com renda menor e escolaridade inferior à dos brancos.  Cotas não resolvem questões de racismos, nem devem ser medidas temporárias.  É necessário arrumar toda a estrutura que sustenta o negro, o branco, o amarelo no seu percurso educacional. Igualdade não é tirar de quem tem e dar para quem não tem isso o Robin Ou faz, igualdade é dar condições de quem não tem, um dia, com seu esforço poder ter também.
            No Brasil, apenas 25% das pessoas são contrarias as cotas raciais e esse número é bem maior do que o de brasileiros que concluirão uma faculdade. A verdade é que vivemos um “racismo reverso” onde ser branco é questão de ter vergonha e lutar por seus sonhos sendo trabalhador e honesto coisa do passado.    
            Por que um branco deve ceder uma vaga conquistada com mérito a uma pessoa de cor, apenas devido à ancestralidade dela? Se assim o for, tomemos cuidado. Quem sabe um índio não invada a minha casa e reclame de compensação de terras que o homem branco tomou dele?
            A verdade é que nos prendemos num passado e nos esquecemos que temos um presente e nele podemos construir um grande futuro.
            Essa questão de cotas raciais também esbarra em coisas muito simples, como: imagem dois primos, um negro e o outro branco, mas ambos pobres. Porque o negro merece o privilegio e o branco não? Enquanto olharmos o passado e a cor não pintaremos uma nação que finalmente resolveu crescer.
            A grande verdade é que as cotas raciais privilegiam a elite negra burguesa á custa dos pobres brancos, ou você acredita que o negro que “estuda” numa escola onde nem professor tem conseguirá se manter numa USP ou Unicamp?
            Esse privilégio contribui também para aqueles imbecis que acreditam que os profissionais de cor são inferiores confirmando numa possível frase: “Viu? Só entrou por causa de cotas”.
            A beleza de uma sociedade esta justamente na sua multicoloração, mas uma coisa é dar o pincel para pinta-la, outra é entregar o quadro pronto e pedir pra você admirar a paisagem e ali só encontrar um traço mostra os privilegiados dos renegados. Precisamos ter a mente aberta, mas não tão aberta ao ponto de o cérebro nos escapar como dizia Chesterton.


            


terça-feira, 15 de julho de 2014

"Foram felizes para sempre"

            Essa história de: “foram felizes para sempre...” fantasiou e ainda fantasia a cabeça de muitas mulheres e diria até homens quando pensamos no que venha a ser um amor de verdade ou um amor duradouro.
            Fomos influenciados ao longo de nossa história em acreditar que existe sim um príncipe e uma princesa encantada nos esperando em algum canto, montado talvez não mais num cavalo branco, mas pelo menos numa moto ou bicicleta.
            Podemos dizer que o amor é uma construção cultural, variando de um povo para o outro. Citamos como exemplo o amor romântico construído pelo romantismo ou mesmo o amor cortês, criado pela Europa medieval, que tinha que controlar forças que estavam demasiado soltas depois da invasão dos bárbaros.
            Ana Maria Machado escritora, acredita que  “a mulher capta o amor sobretudo pela palavra” e o homem pode até não ser bonito, mas se ele chega com uma conversa macia, dizendo as palavras certas, imediatamente torna-se fascinante, sedutor.  É o papel pedagógico e catequético da literatura, ensinar e mostrar a ilusão da perfeição do amor, sugerindo para cada um que as coisas possuem um começo, um meio e um fim, e que elas fazem sentido e o final é feliz. Deve ser muito chato ser “feliz para sempre”, é melhor ser feliz várias vezes, em vários momentos.
            Jurandir Freire Costa, psicanalista observa que atualmente vivemos num pós-romantismo, saindo de uma fase em que o sentimento era muito valorizado para uma etapa em que se valoriza a sensação. Acho muito apropriado essa observação, pois essa sensação caminha muito próxima da paixão que etimologicamente esta na raiz de “patologia”, pathos, que liga-se ao sofrimento.
Paixão tem de ser aquilo que vai desencadear o impulso, mas o que vai manter a ligação é o sentimento só que é necessário entender que ser feliz é fazer sacrifícios.
            Queremos que o amor seja absoluto e que seja eterno. Isso se torna causa de angustia, tensão, estresse e infelicidade do homem e da mulher contemporâneos, por não conseguirem construir aquele amor ideal que, na verdade, foi divinizado. Nós transferimos para o amor as qualidades de Deus, mas não estamos conseguindo transferir para o amor entre homem e mulher um elemento de ligação (‘religião’ que significa re-ligar). Em outros tempos seria impossível falar em amor sem falar em amor a Deus e ao próximo. As religiões são fundadas na noção de amor. Falta “religião” no amor.
            O ser humano vive uma liberdade e se considera liberal nos tempos atuais em diversos contextos, sejam eles sexuais ou de convívio, mas quando o assunto é relacionamento, ele prende, cerca-se, fecha-se, sufoca o outro para dentro de si. É um medo de perder algo que nunca possuirá por completo.

            Falta nos relacionamentos mais interrogação do que exclamação, pois o ponto de exclamação é um traço reto com um ponto embaixo, que corta, divide, termina, sentencia a conversa, como um punhal. Enquanto a interrogação é curva, como a vida que não possui uma reta, mas que vai se dobrando e desdobrando em cada novo dia, no formato também de uma orelha, que quer escutar a resposta do outro. A interrogação é como o anzol que busca pescar a verdade e talvez o “feliz para sempre” tenha sido uma verdade contada tantas vezes em nossa literatura que acabamos achando possível escrevê-la em nossa vida.

domingo, 13 de julho de 2014

Importamos elefantes brancos

Uma das grandes revoltas desse mundial pode ter sido o alto custo dos estádios e a ideia daquele molusco de fazer uma saga pelos quatro cantos da nossa colônia, colocando campos de futebol onde nem bola se consegue comprar.
                O mal foi feito e não sou daqueles de blusão GAP e iPhone no bolso que reclamam dentro dos seus McDonald’s que essa quantia deveria ser investiga em educação ou saúde, enquanto todo mês a mensalidade do curso de ciências sociais é paga pelo papai capitalista. Sou a favor da festa! E dizer que a Copa do Mundo foi um erro é errar no argumento. O erro não esta em fazer um evento mundial num lugar abençoado e bonito por natureza como nosso país é. O erro se encontra em querer abraçar uma nação do tamanho da nossa colocando obras colossais nesse impávido colosso sem dar conta, ou melhor, olhando para a conta, que ao termino do campeonato só restará mato.

                A África do Sul nos garante essa afirmação. A maioria daqueles suntuosos estádios tornaram-se elefantes brancos  - e nem de fauna estou falando aqui. Talvez essa seja a grande ideia do governo petista: “criar” elefantes brancos em solo nacional, pois segundo eles, tudo que colocam a mão torna-se bom e imaculado. Já que temos “índio” de blusão Adidas e relógio Nike nada melhor para nossa civilização “selvagem” do que alguns elefantes passeando por Manaus, Natal e na sede da fauna brasileira: Brasília.
                O investimento total feito pelo governo brasileiro ultrapassou a casa dos 29 bilhões de reais e nenhum de nós tem noção do tamanho dessa quantia. Nem o petista que levava dólares na cueca no ano de 2005. Talvez se soubesse desse evento passaria antes na loja da  Lupo para reforçar seu estoque de “fundos de investimentos”.
                Por mais que esses números nos assustem nem na trave essas aplicações passariam pelo gol da saúde e da educação. Esse valor ajudaria apenas por 38 dias o nosso tão sofrido time educacional e 52 dias nosso banco de reserva que o governo chama de saúde. O problema não esta em quanto dinheiro colocamos em campo, mas sim na troca de passes que ele sofre, iniciando com 10 e chegando ao destino custando 13.
                A Copa chega ao seu fim e quem terá que alimentar esses elefantes? Nós. Mas de alimentar animais nós já somos craques, donos da camisa 10. Até porque de lula e burros de gravata nós temos um time digno de ganhar a Copa do Mundo.


sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Sentido do Sentido: uma resposta a Alberto Caeiro

"Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas".

                Desculpa Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), mas tenho que discordar de seu pensamento.  Não há como ser, ser humano e não dar sentido as coisas. O ser humano é aquele que coloca palavra no nada, é aquele que põe significância ao significado. Se não houvesse você, eu, não haveria sentido algum e em nada. Talvez até existisse apenas o nada, ou não, porque para existir o nada é necessário existir um alguém. Agostinho mesmo diz que: “para que houvesse um inicio, o homem foi criado, sem que antes dele ninguém o fosse”. Alberto, não somos um algo, mas somos um alguém.
                Não existe apenas a existência, existe aquele que coloca a existência no verbo existir. Um animal não sabe que existe e nem tem crise existencial. Nós (alguém) é que passamos a colocar existência nele e em nós mesmo.
                Talvez a sua crítica seja com relação ao sentido das coisas. Parece que você diz que as coisas existem e ponto. Não há sentido para elas existirem e novamente discordo. O homem é um fabricador de sentidos. Se não há sentido o homem fica inquieto.
                Jean Paul Sartre,defende um existencialismo ateu e quer mostrar no texto: O Existencialismo é um humanismo que o homem existe antes de tudo porque é ele quem coloca a categoria de ser algo. “O homem é, inicialmente, um projeto que se vive enquanto sujeito, e não como um musgo, um fungo ou uma couve-flor; nada existe anteriormente a esse projeto; nada existe de inteligível sob o céu e o homem será, antes de mais nada, o que ele tiver projetado ser”. (SARTRE,1996,p.26)
                Percebe Alberto, como o texto de Sarte faz consonância com o texto de Agostinho do século III? O homem coloca sentido nas coisas e faz parte quase que da sua biologia. Um homem sem sentido não encontra sentido em ser homem. E depois do seculo XVIII com o ateísmo filosófico, onde a ideia de Deus foi suprimida, o sentido foi ainda mais buscado em cada pessoa.
                É interessante perceber que esse humanismo é superado por um novo giro que através de Levinas tira o “eu” e coloca o “outro, ao ponto de pronunciar que : “eu sou refém do outro”. Paul Ricouer seguira a mesma esteira da alteridade e Habermas colocará uma nova racionalidade através da comunicativa, onde a filosofia e a teologia latino-americanas atuais dão prioridade ao “nós” sobre o “eu” com ênfase na comunidade voltada para a prática da justiça.
                Maria Clara Bingemer, teóloga e escritora do livro:O Mistério e o Mundo mostra que a modernidade prometeu um mundo sem Deus colocando todas as suas esperanças no mercado, na tecnologia e nas ciências e o resultado pode ser facilmente sintetizado em: duas guerras mundias e numa  crise ética e moral sem precedentes na história da nossa sociedade. Tirar aquilo que dá sentido ao humano e pode ser o máximo do metafísico que é a figura de um Deus, é correr um risco de transformarmos nosso mundo numa Sodoma e numa Gomarra.
                Papa Pio XII já dizia que: “o pecado deste século é a perda do sentido de pecado”. Ratzinger segue o mesmo discurso e vê uma crise justamente nessa perda de sentido. Agora, como que você pode me dizer que não tem sentido em colocar sentido as coisas? Nem que eles são morais e éticos?  
                Seu poema me abre os olhos também sobre a importância de crer. O que é ter fé senão colocar sentido? O papel da religião talvez seja justamente isso: colocar sentido, dar caminho. A minha razão pede mais do que uma religião,um ser metafisico que coloca sentido e base para meus pensamentos. Se “Deus está morto”, como anunciou nosso irmão na fé Nietzsche, como explicar essa efervescência religiosa do nosso século?
                Gianni Vattimo, filósofo italiano usa uma expressão para explicar esse movimento da sociedade. Para ele o que esta ocorrendo é um retorno a religião, um retorno em busca de sentidos. Penso eu que talvez nem tanto a busca seja de religião, mas de espiritualidade que coloca sentido as coisas. Nietzsche e a modernidade prometeram um super homem, mas o que nos entregaram foi um velho gibi com histórias antigas.
                A religião, e mais do que ela, crer, demonstra que o ser humano é um ávido animal desejante por sentidos. “Crer significa possuir uma confiança básica na vida. Contar com uma convicção não demonstrável, mas segura, de que a vida e o mundo possuem um sentido, uma lógica e uma finalidade, ainda que às vezes dificilmente compreensível”. (BINGEMER,2013,p.181).
                A fé, aquilo que de certa forma da sentido as coisas é um escândalo para a razão como São Paulo disse: ‘credo quia absurdum”, mas quem é racional o tempo inteiro talvez perca alguns sentidos da vida.

                E o que é estar vivo? Talvez para você Alberto, nada,mas para tantos outros, tudo. Depende do sentido que você coloca.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

E a Copa esta acabando... Mas tem Campeonato Brasileiro!!!


                Muitos falaram que não haveria copa, que o país iria parar e tudo seria um caos. Ônibus, trem, metro, manifestações, quebra-quebra. O desenho pintado beirava um apocalipse tupiniquim, mas o que foi visto realmente caracterizou-se mais como uma Epifânia do que como o último livro das Sagradas Escrituras.
                Os estádios funcionaram, os times deram show dentro das quatro linhas e a festa invadiu as ruas. Claro que problemas se encontram em todos os lugares e não só na copa do Brasil, mas na da África e na da Alemanha também entraram em campo. As criticas que podem surgir – e são extremamente legitimas – são aquelas sobre o superfaturamento, os preços dos ingressos, para quem a copa foi feita e um verdadeiro abismo quando comparamos esse evento mundial frente à infraestrutura do nosso país.
                Durante trinta dias o país, em sua maioria, assistiu,torceu, acompanhou com caneta na mão e tabela na mesa, jogo por jogo do mundial. O futebol não é o único pensamento do povo que tira os olhares da política e dos sérios problemas do nosso país, do nosso governo, da nossa sociedade. Nosso povo sequer coloca os olhos sobre esses assuntos. Então como dizer que o povo desvia os olhos dos problemas sérios se eles nunca o colocaram verdadeiramente?
                Não somos um povo político. Nem política temos direito nessa colônia. Aprendemos que política é enriquecer-se e o slogan eleitoral válido é: “ele rouba, mas ele faz alguma coisa”. O que nos interessa é se ao final do jogo algum dinheirinho irá pingar na minha conta estatal. 
                Não lemos política, não debatemos política e principalmente não somos ensinados a fazer política. O futebol não é um pensamento da massa, é a própria massa. A copa esta acabando e qual será o assunto agora? Política? Não. Campeonato brasileiro.  Isso é tão claro que se numa roda de conversa o assunto começa a cheira política as pessoas começam a mexer em seus celulares atualizando seus perfis.
             Futebol é o próprio povo. Povo esse que torce pelo esporte que da certo, para o esporte que esta dando status. Veja o basquete na época de Oscar, a formula 1 de Ayrton Senna, o tênis de Guga e a seleção brasileira treinada por Bernardinho. Somos oportunistas por natureza, não só no esporte, mas na forma de encarar a política. E o governo atual alegra o seu povo, porque da à oportunidade para aqueles oportunistas que querem ganhar dinheiro sem precisar entrar em campo e lutar por ele.
            Não vejo o futebol como uma alienação. Alienação são os militantes petistas que não conseguem discutir com outros que pensam diferentes. Quem consegue conversar com petista? Só outro petista. Porque qualquer opinião contrária começa o show das frases prontas: “isso é infundado, pesquise melhor suas informações, você esta sendo contundente, esta tendo uma visão superficial, leia a reportagem de não sei quem, seus números não são precisos e tantas outras mais”.
             No dicionário lemos: “Os indivíduos alienados não têm interesse em ouvir opiniões alheias, e apenas se preocupam com o que lhe interessa, por isso são pessoas alienadas. Um indivíduo alienado pode ser também alguém que perdeu a razão, está louco”. E só sendo louco mesmo para acreditar num presidente que não gosta de ler e numa periquita de pirata que não consegue administrar uma loja de 1,99. E piratas eles são desde sempre, deixando no chinelo Jack Sparrow e companhia limitada.
              Talvez o Capitão Gancho inveje a mão do Lula, mas isso é facilmente resolvido com uma cota para menos favorecidos e uma enxurrada de criticas dos “politicamente corretos” sobre a canção da Eliana dos dedinhos. Tudo resolvido e bola pra frente!
            Futebol é feito de oportunidades e fazer gol é ser oportunista. Talvez por isso o nosso país possua cinco estrelas no peito e infelizmente uma estrela no governo.

domingo, 29 de junho de 2014

“Verás que um filho teu não foge á luta”

             O Hino Nacional é considerado um dos quatro símbolos oficiais do nosso país, ao lado do selo, da bandeira nacional e das armas nacionais. Foi escrito por Joaquim Osório Duque Estrada no século XIX e tem por características mostrar o que é o povo brasileiro, sua cultura, suas riquezas.
                Durante essa Copa do Mundo escutamos inúmeras vezes nosso hino sendo cantado pelos quatro cantos de nosso país. Mas uma frase em especial me preocupa: “verás que um filho teu não foge á luta”. Talvez estejamos vivendo na atual conjuntura política e social de nossa nação uma verdadeira luta para retirada dessa tão importante marca de nosso povo: um povo trabalhador.
                O governo papai a cada dia que passa coloca mais comida na boca de seus filhos, como um passarinho faz com seu filhote, sem necessitar de esforço e preocupação. O que até então seria louvável e aplaudido torna-se um grave problema.  Parece que esse governo assistencialista ao extremo, paternalista no último nível, quer modificar seu hino nacional quando ele diz: “filho teu não foge a luta”, para “filho teu não precisa lutar”.
                Keyserling, filósofo alemão dizia que “não se pode conseguir nenhum progresso verdadeiro querendo facilitar as coias” e em nosso país não só facilitamos, como deixamos o fácil ainda mais fácil. Que povo estamos construindo? Que sociedade teremos em 2020? Talvez nem precisássemos ir tão longe, mas que sociedade temos agora?
                Estamos formando uma sociedade que não precisa lut ar, que não precisa trabalhar mais, porque o governo entrega de forma sem precedentes mesadas e mesadas à custa de uma pequena classe, essa sim “povo brasileiro”, que ainda não foge a luta e trabalha de sol a sol.
                Trocamos a meritocracia por facilidades. Vestibular? Cota. Concurso publico? Cota. Emprego? Não precisa, ganhará a sua bolsa. Quer que seu filho seja bem sucedido? Receita simples: seja negro, estude em escola publica e se possível procure alguma descendência indígena na sua arvore genealógica que todo o futuro dele estará garantido, sem precisar ficar horas e horas debruçado sobre livros. 
                Não estou aqui defendendo o extremo de uma sociedade sem interferência estatal, mas uma interferência que não mascare os problemas de sua nação entregando tudo de mão beijada e abraçada, sem mostrar que isto esta sendo dado enquanto o problema esta sendo resolvido.
                Nosso país não resolve problemas, ele os esconde debaixo de um lindo tapete, que custou mais caro do se ele resolve-se solucionar a deficiência na hora.
                Trocamos um país que vai a “luta”, para um país que vai ao self service do governo com seu cartãozinho ou sua certidão de nascimento. É um puro “João sem bracismo” macunaímico.
                No livro Manifesto do Nada na Terra do Nunca lemos uma grande verdade: “Através do pior, nos convencemos ser os melhores. Ninguém em outra parte do globo teve a cara de pau de edificar uma tese na qual o menos gabaritado, o mais incapaz, é eleito de forma triunfal como um ser divinizado por sua absoluta falta de condição de competir com outras culturas, por sua displicente ausência de mérito. Tudo aqui é distribuição. Nada se conquista” (LOBÃO,2013.p.190).
                Essa falta de meritocracia em nossa sociedade atual é um movimento que se alastra não mais pela “revolta do proletariado”, mas pelo novo momento da esquerda política, que acredita que a classe que salvará o mundo não é mais o pobre trabalhador da industria, mas todo tipo de “excluídos”: mulheres, negros, índios,gays, marcianos. No livro Esquerda Caviar além de outras pérolas Rodrigo Constantino diz: “Vitimização grupal, de modo que bastaria nascer parte de alguma ‘minoria’ para merecer privilégios. É a era moderna, que separa o mundo em opressores e oprimidos com base em abstrações coletivas” (CONSTATINO,2013,p.286).
                O slogan do governo: “Brasil: um país de todos” na verdade deveria ser outro: “Brasil: um país dessa minoria, daquela minoria e daquela outra minoria que não esta dentro dessa minoria”.  As cotas raciais (e ainda farei um texto sobre isso) é a própria mostra dessa distribuição, onde a elite negra se beneficia á custa de pobres brancos.
                Enquanto falarmos de raça, falaremos de preconceito. Morgan Freeman em uma entrevista responde quando perguntado sobre o Dia da Consciência Negra: “o dia em que pararmos de nos preocupar com consciência negra, amarela ou branca, e nos preocuparmos com a consciência humana, o racismo desaparecerá”.  Onde esta a igualdade quando se divide em brancos, pretos e amarelos?
                Essa distribuição, esse nivelamento por igual de todos, é tão clássico que o maior exemplo é dentro da sala de aula. Cada vez mais aprendemos que não existe gente que não possa estudar, e até ai concordo, mas dizer que todos são inteligentes, isso é uma burrice. “Os melhores lideram, os médios e medíocres seguem [...] Uma das maiores besteiras em educação é dizer que todos os alunos são iguais em capacidade de produzir e receber conhecimento” (PONDÉ, 2012, p.38).
                Ayn Rand, filósofa norte America afirmava que a maior parte da humanidade sempre viveu ás custas de uma minoria mais capaz e mais inteligente. Poucos carregam muitos como afirma Luis Felipe Pondé em seu Guia Politicamente Incorreto da Filosofia. Não são opiniões fascistas, mas sim a constatação que não há mais como viver num mundo utópico.
                Talvez nosso hino nacional já não seja mais tão nacional assim, pois estamos transformando um povo lutador em um povo recebedor. Que se acha inteligente, se acha trabalhador e acima de tudo, se acha digno de cantar o hino nacional com a cara pintada de verde amarela tendo por baixo uma pela camada de verniz (custeada pelo governo , é claro).


sábado, 28 de junho de 2014

Moramos no PAÍZ DO FUTEBOL


            Hoje foi comprovado que o nosso país é sem sombra de dúvidas o país do futebol.
Estamos longe, e bem longe, de sermos uma nação da educação.
            Nas oitavas de final da Copa do Mundo, o povo brasileiro deu mais uma lição para todo o planeta que seus filhos “deste solo és mãe gentil”, fugiram da aula de civilidade e de gentileza não possuem quase nada. 
            Durante a execução do Hino Nacional do Chile – que pode não ter cinco estrelas no peito da camisa, mas tem muito mais estrelas que a gente em outros times como: educação, IDH, inflação  – a torcida brasileira, e diga-se de passagem, uma torcida que deve ter estudado em grandes colégios particulares, vaiou quando os cidadãos chilenos cantaram o hino de seu país a capela, como nós de forma tão linda fazemos. Se a copa é para todos e a festa também, o porquê de nós brasileiros reagirmos dessa maneira? Seria inveja? Seria mesquinharia, já que nós iniciamos esse movimento que faz velhinhos  chorarem e crianças cantarem o hino com a mão no peito?
            Dizem que um elefante já está pronto para a vida adulta aos dois anos de idade enquanto um homem demora vinte. O brasileiro que adora dar o seu “jeitinho” talvez demore um pouco mais, pois no Brasil, e só aqui,  é chique atrasar um pouco, e no campo da educação não seria diferente, é cRaro.  
            Vivemos num país onde a pobreza é o orgulho, e ser gente boa é falar errado, usar chinelo gasto e amar um dinheirinho do governo papai.  Somos o povo que tem como herói Macunaíma, que tem intelectuais que amam a simplicidade, enquanto a simplicidade ama o luxo. O funk esta ai que não me deixa manda um caô: Nenhum dele esta falando de havaianas, cerveja Bavaria, ônibus lotado e casa sem foro. Pelo contrario, o que sai da boca, e às vezes nem entra por ela, é champanhe, Ferrari, mansão e tênis Nike.  Esse é nosso povo que aprendeu a ser pobre, mas que não vê luxo nenhum em não ter dinheiro. Somos ainda uma chula capitania hereditária.
            Essas vaias que tristemente escutamos do povo brasileiro em cima do hino chileno é o que temos para mostrar. Da mesma forma quando "nossa" presidente foi xingada na abertura da copa pela “elite branca”. E a Dilma deveria agradecer que foi essa elite que se manifestou, pois na teoria elas possuem mais estudos, mais instrução. Imagine se fossem  pessoas que não estão nessa elite? o buraco seria mais embaixo (se é que tem como ser mais embaixo o buraco)
            A copa no nosso país não é para todos porque nem um terço da população consegue entender o que é um presidente e o que é o Lula.  Talvez amemos as nossas matas, florestas e campos, porque elas não abrem a boca para mostrarem a educação que receberam.
            Pena que o país não é feito de fauna e flora, mas de cidadãos que deveria ser “gigante pela própria natureza”, mostrando que “um filho teu não foge à luta”, mas como falar em luta se ele já foge daquilo , que aqui, chamamos de escola e em outras civilizações futuro?


Análise do Livro: Orfãos do Eldorado, Milton Hatoum

Li esse livro na tarde de hoje. 
Peguei sem muita expectativa como sempre faço com literatura brasileira. 
Nada contra ela,mas cada um possui o seu gosto. 
Já tinha ouvido falar muito desse autor e talvez por isso essa leitura me despertou.
Li num fôlego só.
Um livro pequeno de 102 páginas. 
A história nos prende e nos envolve com as características de uma literatura regional. 
Não tem como ler aquelas páginas e não se sentir um pouco amazonense.
Confesso que ao final, por incrível que pareça, queria que a história não acabasse. 

Clarice e a Filosofia (Parte 3 de 3)

(C O N T I N U A Ç Ã O)

Um segundo parágrafo encontrado nesse conto é ao seu final quando Clarice escreve:

Quase desfalece em soluços, com urgência ele tem que se transformar numa coisa que pode ser vista e ouvida senão ele ficará só, tem que se transformar em compreensível senão ninguém o compreenderá, senão ninguém irá para o seu silêncio, ninguém o conhece se ele não disser e contar, farei tudo o que for necessário para que eu seja dos outros e os outros seja meus, pularei por cima de minha felicidade real que só me traria abandono, e serei popular, faço a barganha de ser amado, é inteiramente mágico chorar para ter em troca: mãe. (LISPECTOR, 2009, p.24).

            Como é perceptível no início do parágrafo a questão da linguagem e como a linguagem é importante para a filosofia. Para ser alguém, segundo Clarice é necessário “disser e contar”. Danilo Marcondes na apresentação do seu livro: Textos básicos de linguagem, disse: “Talvez a linguagem seja uma dessas coisas, como diz Wittgenstein, que por nos serem mais familiares são as mais difíceis de entender. Por isso mesmo, desde o início da filosofia, na Grécia Antiga, a linguagem tem sido um de seus temas centrais” (MARCONDES, 2010, p.09).
            Clarice trabalha essa temática no fim do conto como se mostrasse o homem como Zóon Logikón, como um homem racional, podendo ser entendido esse logikón como logos, palavra, fala. Aristóteles trabalha com esse conceito de homem racional e mostra que fisiologicamente o ser humano possui o “corpo” para falar.   
            A passagem abaixo mostra a concepção aristotélica da linguagem, na medida em que aqui o filósofo se refere á língua (glossa) propriamente dita, demonstrando que a linguagem não depende apenas da mente, mas da própria fisiologia humana.

O uso dos lábios em todos os animais, exceto no homem, consiste em preservar e proteger os dentes, e por isso a forma específica pela qual os lábios são formados é relativa ao grau de beleza e de perfeição da natureza dos dentes. No homem, os lábios são macios e carnudos, capazes de se separarem. Seu propósito, como nos outros animais, é proteger os dentes, mas também têm o propósito mais elevado de contribuir, justamente com outras partes, para a faculdade humana da fala. Pois assim como a natureza fez a língua (glossa) humana diferente da dos outros animais, e como costuma ser sua prática, fez com que ela servisse a dois diferentes propósitos, o paladar e a fala, o mesmo se pode dizer em relação aos lábios, fazendo-os servir tanto para a fala quanto para a proteção dos dentes. (ARISTÓTELES, 659b28-660a14).

            Vemos como Aristóteles no início da filosofia na Grécia Antiga preocupa-se com a questão da linguagem e como seus posteriores também trabalharam esse tema. Podemos afirmar sem erro que a linguagem esta intimamente ligada com a filosofia e variáveis filósofos tomaram seu tema para analise.
            Ainda nesse parágrafo, um segundo momento é percebido como análise filosófica – não desconsiderando outros pontos que podem ser tratados filosoficamente, mas que nesse artigo não aparecerão. “Pularei por cima de minha felicidade real que só me traria abandono, e serei popular, faço a barganha de ser amado”.  Fica claro, primeiramente, a questão de deixar a felicidade como secundaria para agradar aos outros. Segundo a autora, se irmos em busca de nossa felicidade acabaremos sozinhos.  Essa “barganha de ser amado” que ela trata no final do parágrafo, nada mais é do que uma troca de interesses. Barganhar é trocar algo que se tem por algo que não se tem.
            Outro conto de Clarice Lispector que utilizaremos como análise chama-se Amor e pode ser encontrado no livro Laços de Família. Nesse texto duas coisas ficam claras: a primeira o ato de espantar-se já trabalhado acima no texto e a segunda: a falta de coragem. Uma dona de casa, que percebe que não é ela que esta vivendo a vida, mas a vida que esta vivendo ela a partir do momento em que vê um cego mascando um chiclete no meio da rua. Essa senhora, sai atônita pela rua, enxergando pela primeira vez o que havia de sentido no seu dia a dia.
            Essa busca de sentido é talvez o sentimento que mais aflija o homem moderno. Ele não consegue pensar em viver uma vida onde nada do que ele fez e faça não tenha alguma repercussão. Alguns vão dizer que o sentido da vida é não ter sentido. E a dona de casa do conto de Clarice é impactada com essa pergunta que surge de uma imagem cotidiana e da queda e quebra de ovos que ela levava nas mãos.
            Essa quebra dos ovos pode ser entendida como a saída da personagem de sua proteção, do conforto, que existia no cotidiano, nessa banalidade do um dia após o outro. Quando os ovos se quebram, quebra também a fachada de vida feliz e com sentido que aquela mulher achava que possuía.
            O erro dela foi não possuir a coragem de lutar em busca de resposta sobre o sentido da vida. Preferiu voltar ao final da noite para sua casa, deitar ao lado de seu cotidiano marido e antes de dormir deixar uma lagrima de covardia correr pelo seu rosto.
            O último conto aqui estudado será A Bela e a Fera ou A ferida grande demais que pode ser encontrado na obra A Bela e a Fera, onde uma mulher muito rica se depara pela primeira vez com um mendigo pedindo dinheiro. O susto da milionária é tão grande que ela não sabe a quantia que deve entregar ao pedinte.  Fica claro no texto que no fundo todos são mendigos. Todos pedem, imploram por esmolas dos outros. Sejam elas: amor, confiança, carinho, atenção e até a mais pobre das esmolas que é o dinheiro.
            “– Como é que eu nunca descobri que sou também uma mendiga? Nunca pedi esmola, mas mendigo o amor de meu marido que tem duas amantes, mendigo pelo amor de Deus que me achem bonita, alegre e aceitável, e minha roupa de alma está maltrapilha...”.
            Essas esmolas, que no fundo sempre são os dinheiros trocados, o troco de determinada coisa que compramos, é também a esmola que damos aos outros. Entregamos aos outros o que resta de nós. Nunca somos inteiros para as pessoas, mas pequenas frações que vão se dividindo cada vez mais num mundo moderno e acelerado.  Tem uma frase que ilustra muito a situação, não só da personagem de Clarice, mas da conjuntura atual: “Quem vive de migalhas, esta sempre com fome”. Ou seja, quem vive com um pouquinho de um, pouquinho de outro, esta sempre com necessidades. Pouco amor, pouco carinho, pouca atenção, nunca será atenção, nunca será carinho nem nunca será amor completo. O ser humano sempre terá necessidades enquanto a sua necessidade for pequena.

            Percebemos que Clarice além de ser uma grande escritora pode, com facilidade ser incorporada no estudo da filosofia. Não talvez como filósofa, mas com certeza como objeto de estudo da filosofia.


( F I M )