A maior polemica estava na analise
sobre a capacidade humana de julgar, isto é, aquela faculdade que permite
discernir sobre o que é certo e errado.
A obediência como virtude foi à base da condição verdadeiramente desprezível
da possibilidade do nazismo enquanto um modelo de assassinatos em massa. O que
fez também Hannah impressionar-se com o adesismo inquestionável de parcelas
significativas da sociedade alemã, mesmo aquelas altamente formadas nos
princípios morais mais sofisticados. “A situação era tão simples quanto
desesperada: a esmagadora maioria do povo alemão acreditava em Hitler” por mais
educada e moralmente formada que fosse essa sociedade.
Muitas vezes se disse
que a asfixia dos doentes mentais teve de ser suspensa na Alemanha por causa de
protestos da população e de uns poucos dignitários corajosos das igrejas; no
entanto, nenhum protesto desse tipo foi feito quando o programa voltou-se para
a asfixia de judeus, embora alguns centros de extermínio estivessem localizados
no que era então território alemão, cercados por populações alemãs. (Arendt)
As criticas feitas por Hannah Arendt
ao comportamento da sociedade fez elencar três fatores que contribuíram para
explicar o fracasso moral vivenciado na Europa daqueles tempos sombrios.
Primeiro a teoria da peça de engrenagem; teoria essa que os advogados de
Eichmann utilizaram para dizer que ele era apenas mais uma peça de uma grande
engrenagem do terror. A promotoria usou a mesma linha de raciocínio e colocou o
acusado não como mais uma peça, mas como o motor do Holocausto. Hannah também
estava convencida do fato de Eichmann pertencer a uma estrutura organizacional
e de que poderia ser trocado,como uma peça, por outro burocrata qualquer, que
faria a mesmíssima coisa em seu lugar, pois afinal não se tratava de uma
maldade especifica (demoníaca,patológica ou ideológica), mas do cumprimento de
funções de Estado.
O segundo ponto
refere-se à teoria da culpa coletiva, não tirando a responsabilidade – no caso
de Eichmann – do mal realizado. Pois ele, como qualquer outro burocrata,
tinha,sim,responsabilidades, pois tinha a possibilidade de escolha, inerente à
sua condição humana. A fidelidade ao trabalho
realizado, tantas vezes declarada pelo réu, era um agravante. Se ele se tivesse
apresentado à corte dizendo que era obrigado a fazer o que fazia, mas procurava
não cumprir plenamente as ordens recebidas a fim de salvar vidas, ele ainda
assim seria responsável, mas talvez pudesse contar com alguns atenuantes. Porém
Eichmann dizia-se um cumpridor fiel das ordens, que seu ideal de vida era
cumprir seu dever e fazer seu trabalho com precisão e eficiência e, ainda mais,
sentia-se envergonhado quando no tribunal era levado a admitir que não cumpria
algumas ordens recebidas, ainda que essa desobediência tivesse significado
salvar centenas de vidas humanas. Essa
responsabilidade não poderia ser universal , mas só poderia ocorrer – segundo
Hannah – através da particularidade. Esse era o tema central da ética
arendtiana, pois a responsabilidade pessoal não pode ser transferida para um
sistema, ainda que se trabalhe sob uma ditadura. Ao rebater essa teoria,a
autora insiste na liberdade que caracteriza fundamentalmente a ação humana, que
funda e exige toda e qualquer formação moral.
Essa teoria da culpa coletiva surgiu justamente dentro do julgamento de
Eichmann que disse que se considerava culpado perante Deus, não perante a lei.
Para Arendt a culpabilidade é algo individual, por isso passível de penalidade
jurídicas. Ela faz então uma distinção entre culpa (individual) e
responsabilidade (coletiva), por considerar que “onde todos são culpados,
ninguém é” ou seja, se todos têm culpa, ninguém efetivamente pode ser julgado.
Se ninguém pode ser julgado, ninguém é imputável pelos crimes.
O terceiro e ultimo
tema dessa critica a sociedade européia daquela época se detêm na voz da
consciência . O ponto fundamental é se Eichmann podia ouvir essa voz que
chamamos de consciência, se ele podia acessar um conjunto de valores morais que
informasse sobre o horror do qual ele fazia parte. Se ele era perturbado por
esse outro que nos habita, que às vezes somos nós mesmos e outras vezes um
outro moralmente significativo que nos fala.A voz da consciência não é algo
dado naturalmente, mas sim algo construído coletiva e intersubjetivamente.
Dessa forma
entendemos que as barbáries cometidas por Eichmann não se fundamentam na
inveja,no ódio,na cobiça, nem mesmo na estupidez (desconhecimento), mas sim na
irreflexão. Essa é a hipótese central de Hannah Arendt em A vida do Espírito.
Nessa obra, ela delineia a relação entre a banalidade do mal e o vazio do
pensamento. Aquele homem não era monstruoso, enfermo ou demoníaco: nele também
não se encontram grandes convicções ideológicas ou partidárias. A mais
determinante para explicar seu comportamento era a sua incapacidade para o
pensar. O que tornava Eichmann uma aberração era o fato de ele nunca haver
experimentado as exigências do pensamento diante dos acontecimentos. A questão
que a filósofa se propõe a aprofundar, então, é a ausência do pensamento e sua
possível relação com os atos maus. A sua proporção é que a incapacidade de
pensar oferece um ambiente privilegiado para o fracasso moral.