sexta-feira, 25 de julho de 2014

Hannah Arendt: A Banalidade do Mal (PARTE II)

A maior polemica estava na analise sobre a capacidade humana de julgar, isto é, aquela faculdade que permite discernir sobre o que é certo e errado.  A obediência como virtude foi à base da condição verdadeiramente desprezível da possibilidade do nazismo enquanto um modelo de assassinatos em massa. O que fez também Hannah impressionar-se com o adesismo inquestionável de parcelas significativas da sociedade alemã, mesmo aquelas altamente formadas nos princípios morais mais sofisticados. “A situação era tão simples quanto desesperada: a esmagadora maioria do povo alemão acreditava em Hitler” por mais educada e moralmente formada que fosse essa sociedade.
Muitas vezes se disse que a asfixia dos doentes mentais teve de ser suspensa na Alemanha por causa de protestos da população e de uns poucos dignitários corajosos das igrejas; no entanto, nenhum protesto desse tipo foi feito quando o programa voltou-se para a asfixia de judeus, embora alguns centros de extermínio estivessem localizados no que era então território alemão, cercados por populações alemãs. (Arendt)
As criticas feitas por Hannah Arendt ao comportamento da sociedade fez elencar três fatores que contribuíram para explicar o fracasso moral vivenciado na Europa daqueles tempos sombrios. Primeiro a teoria da peça de engrenagem; teoria essa que os advogados de Eichmann utilizaram para dizer que ele era apenas mais uma peça de uma grande engrenagem do terror. A promotoria usou a mesma linha de raciocínio e colocou o acusado não como mais uma peça, mas como o motor do Holocausto. Hannah também estava convencida do fato de Eichmann pertencer a uma estrutura organizacional e de que poderia ser trocado,como uma peça, por outro burocrata qualquer, que faria a mesmíssima coisa em seu lugar, pois afinal não se tratava de uma maldade especifica (demoníaca,patológica ou ideológica), mas do cumprimento de funções de Estado.
O segundo ponto refere-se à teoria da culpa coletiva, não tirando a responsabilidade – no caso de Eichmann – do mal realizado. Pois ele, como qualquer outro burocrata, tinha,sim,responsabilidades, pois tinha a possibilidade de escolha, inerente à sua condição humana.  A fidelidade ao trabalho realizado, tantas vezes declarada pelo réu, era um agravante. Se ele se tivesse apresentado à corte dizendo que era obrigado a fazer o que fazia, mas procurava não cumprir plenamente as ordens recebidas a fim de salvar vidas, ele ainda assim seria responsável, mas talvez pudesse contar com alguns atenuantes. Porém Eichmann dizia-se um cumpridor fiel das ordens, que seu ideal de vida era cumprir seu dever e fazer seu trabalho com precisão e eficiência e, ainda mais, sentia-se envergonhado quando no tribunal era levado a admitir que não cumpria algumas ordens recebidas, ainda que essa desobediência tivesse significado salvar centenas de vidas humanas.  Essa responsabilidade não poderia ser universal , mas só poderia ocorrer – segundo Hannah – através da particularidade. Esse era o tema central da ética arendtiana, pois a responsabilidade pessoal não pode ser transferida para um sistema, ainda que se trabalhe sob uma ditadura. Ao rebater essa teoria,a autora insiste na liberdade que caracteriza fundamentalmente a ação humana, que funda e exige toda e qualquer formação moral.  Essa teoria da culpa coletiva surgiu justamente dentro do julgamento de Eichmann que disse que se considerava culpado perante Deus, não perante a lei. Para Arendt a culpabilidade é algo individual, por isso passível de penalidade jurídicas. Ela faz então uma distinção entre culpa (individual) e responsabilidade (coletiva), por considerar que “onde todos são culpados, ninguém é” ou seja, se todos têm culpa, ninguém efetivamente pode ser julgado. Se ninguém pode ser julgado, ninguém é imputável pelos crimes.
O terceiro e ultimo tema dessa critica a sociedade européia daquela época se detêm na voz da consciência . O ponto fundamental é se Eichmann podia ouvir essa voz que chamamos de consciência, se ele podia acessar um conjunto de valores morais que informasse sobre o horror do qual ele fazia parte. Se ele era perturbado por esse outro que nos habita, que às vezes somos nós mesmos e outras vezes um outro moralmente significativo que nos fala.A voz da consciência não é algo dado naturalmente, mas sim algo construído coletiva e intersubjetivamente.

Dessa forma entendemos que as barbáries cometidas por Eichmann não se fundamentam na inveja,no ódio,na cobiça, nem mesmo na estupidez (desconhecimento), mas sim na irreflexão. Essa é a hipótese central de Hannah Arendt em A vida do Espírito. Nessa obra, ela delineia a relação entre a banalidade do mal e o vazio do pensamento. Aquele homem não era monstruoso, enfermo ou demoníaco: nele também não se encontram grandes convicções ideológicas ou partidárias. A mais determinante para explicar seu comportamento era a sua incapacidade para o pensar. O que tornava Eichmann uma aberração era o fato de ele nunca haver experimentado as exigências do pensamento diante dos acontecimentos. A questão que a filósofa se propõe a aprofundar, então, é a ausência do pensamento e sua possível relação com os atos maus. A sua proporção é que a incapacidade de pensar oferece um ambiente privilegiado para o fracasso moral.