Foi o primeiro livro que li de Saramago e já posso dizer que virei
seu leitor. A maneira como ele conduz a história, não deixando o folego e a
atenção do leitor se perder e as situações hipotéticas que ele cria, fazem de
sua narrativa um belo convite para quem quer se aventurar e aprofundar seus
gostos literários. – Não da para viver de culpa das estrelas para sempre.
Imagine, se na virada do ano a morte deixasse de existir. Ou
melhor, a morte desse uma pausa em seus "trabalhos". É a partir desta
premissa que a obra As intermitências da Morte (2005) chama a atenção. Primeiro,
pelo assunto fantástico e a questão: como ele vai resolver e dar volume a esta
história? Segundo, a possibilidade de refletir a importância deste
acontecimento na vida de todos, e, que consequências drásticas isto pode causar
ao mundo.
Saramago começa seu enredo sem rodeios, prendendo logo no primeiro
parágrafo a maioria de seus leitores:
“No dia seguinte
ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou
nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado,
basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da
história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez
ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas
pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e noturnas, matutinas e
vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda
mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada”
(SARAMAGO, 2005, p11).
A
história, para quem começa a lê-la se compreende em um país hipotético onde a
morte deixa de existir e os personagens da trama, seus cidadãos, terão que
lidar com esta novidade. Os hospitais, as pessoas que estavam à beira da
falência, a rainha deste país que estava falecendo e não mais morreu, ou seja,
Saramago nos capítulos iniciais vai demonstrando o que acarreta a saída da
morte na vida das pessoas. As clinicas de repouso, os agentes funerários, a própria
religião (e ai é interessante lembrarmos que o autor é um ferrenho ateu) e o
próprio estado civil, a política. Em uma conversa entre o primeiro-ministro (estado)
e o Papa (religião) esta problemática se evidencia:
“Diga,
Que irá fazer a igreja se nunca mais ninguém morrer, Nunca mais é demasiado
tempo, mesmo tratando-se da morte, senhor primeiro-ministro, Creio que não me
respondeu, eminência, Devolvo-lhe a pergunta, que vai fazer o estado se nunca
mais ninguém morrer, O estado tentará sobreviver, ainda que eu muito duvide de
que o venha a conseguir, mas a igreja, A igreja, senhor primeiro-ministro,
habituou-se de tal maneira às respostas eternas que não posso imaginá-la a dar
outras, Ainda que a realidade as contradiga, Desde o princípio que nós não
temos feito outra cousa que contradizer a realidade, e aqui estamos” (SARAMAGO,
2005,p.20).
É
importante salientarmos que as pessoas continuam envelhecendo. Elas não morrem,
mas seu corpo biológico continua em processo de envelhecimento, surgindo assim,
cemitérios de pessoas vivas. A morte só
existirá nos países vizinhos o que acarretará o surgimento de máfias que se
propõem a levar as pessoas para morrerem nas fronteiras do país, suscitando um
problema para o Estado.
De
um tema que na teoria, não podíamos imaginar que houvesse folego, Saramago não
só coloca folego a temática, como nos faz correr longas distancias ao ponto de
percebermos que a história não é sobre um país, nem sobre seus cidadãos que
enfrentam essa novidade, “benção”, castigo, mas é a história da própria morte.
A
morte passa a ser um personagem, e sendo um personagem nos convida para
compreende-la enquanto tal. Acredito, que o livro As Intermitências da Morte
nos propõe inúmeras reflexões, mas acima de tudo, o final que o autor português
nos apresenta, é um final surpreendente que nos deixa parados, diante de
tamanha astucia e originalidade literária.
Pena
que a morte não parou para José Saramago.