terça-feira, 22 de julho de 2014

Hannah Arendt: A Banalidade do Mal (PARTE I)

A ética de Hannah Arendt esta muito concentrada num processo de consciência, ou melhor, dizendo, uma formação da consciência para se agir eticamente. Esse processo de pensar que para a autora é um “sair do mundo” pode nos levar até o personagem central que desencadeou essa tomada de pensamento na filosofia de Arendt, Adolf Eichmann.  Esse livro foi considerado o livro mais polemico em língua inglesa da década de sessenta, levando em conta o numero de artigos, cartas publicas, debates, replicas, treplicas, defensores e detratores que a obra envolveu.
            Para iniciar essa caminhada no pensamento ético de Hannah é necessário entendermos primeiramente Eichmann e principalmente seu emprego: o burocrata. Para um burocrata, a função que lhe é própria não é de responsabilidades, mas sim o de fazer. Ou seja, não é o pensar, mas o agir. Daí que o burocrata só sabe dizer: “Eu só cumpro ordens”. Tanto que Eichmann vai dizer em seu julgamento: “Não sou o mostro que fazem de mim”. Sua culpa provinha de sua obediência, e a obediência é louvada como virtude. Sua virtude tinha sido abusada pelos lideres nazistas. Mas ele não era membro do grupo dominante, é bom deixar claro, ele era uma vitima, e só os lideres mereciam punição. Dessa forma Eichmann era considerado um homem virtuoso, pois como ele mês diz no livro A Banalidade do Mal “minha honra é minha lealdade”, mas seu erro foi obedecer ordens e seguir leis, pois ele sempre tomou o cuidado de agir conforme determinações superiores.
            Eichmann era um cumpridor de seus deveres; não se corrompia nem desrespeitava as normas vigentes; cumpria com eficiência o seu dever: encaminhar de maneira eficiente milhares de judeus para a morte. Ele realizou o exercício de livre escolha como se fosse um animal condicionado, não agiu espontaneamente ou tomou iniciativa, ele evitou a responsabilidade e não julgou. Ele agiu como se fosse condicionado. Ele não era um mostro, pelo contrario, era um homem comum. O problema dele era exatamente que muitos eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais, vai dizer Arendt.
            A normalidade de Eichmann assustou Hannah Arendt e coloco-a em busca de novos modelos explicativos para o mal, para além do determinismo histórico e da distorção ideológica do nazismo, negando as teorias do mal como patologia, possessão demoníaca, determinismo históricos ou alienação ideológica. Assim, o mal não pode ser explicado como uma fatalidade, mas sim caracterizado como uma possibilidade da liberdade humana. Eichmann não era um mostro, tanto que era um bom pai de família, um filho exemplar e um irmão dedicado, mas mesmo com essas normalidades seus atos demonstraram uma monstruosidade macabra, já que sua tarefa era de organizar as deportações de judeus, levando-os diretamente para os campos de concentração.  “Eichmann representava o melhor exemplo de um assassino de massa que era, ao mesmo tempo, um perfeito homem de família”. Essa percepção de que Eichmann era um homem comum, de superficialidade e mediocridade aparentes, deixou Hannah Arendt atônita, ao avaliar a proporção do mal por ele cometido. É a partir dessa percepção que ela formula a sua concepção de banalidade do mal.
            O mal é como um fungo, não tem raiz, nem semente, mas espalha-se sobre uma superfície especifica, a massa de cidadãos inaptos para a capacidade de pensar e incapazes de dar significado aos acontecimentos e aos próprios atos.  (Assy,2001a,p.152)
            Precisamos deixar bem claro que a banalidade do mal aqui não significa a inocência do nosso acusado, nem muito menos, que a banalidade signifique normalidade. Primeiro, a expressão banalidade do mal não quer ser uma justificativa para as monstruosidades de Eichmann nem significa que Arendt negligencia a imputabilidade do réu. Hannah Arendt estava convencida de Eichmann era responsável pelos seus crimes e deveria ser punido. Ao descrever Eichmann como banal, ela não visava torná-lo menos imputável, “não estava buscando isentá-lo dos atos ilícitos que efetivamente cometeu, mas compreender o tipo de mentalidade que poderia contribuir para o surgimento de indivíduos como ele” (Correia, 2004, p95). O conceito de banalidade não quer abrir precedentes para uma suposta inocência do réu,m
as tão somente entender um fenômeno.
            Banalidade aqui não entra como algo sem importância, sem valor. Hannah Arendt afirma que a banalidade não significa uma bagatela nem uma coisa que se produza frequentemente. Hannah distingue banal de lugar-comum. Lugar-comum diz respeito a um fenômeno que é comum, trivial, cotidiano, que acontece com frequência, com Constancia, com regularidade. Banal, por sua vez, não pressupõe algo que seja comum, mas algo que esteja ocupando o espaço do que é comum. Um ato mau torna-se banal não por ser comum, mas por ser vivenciado como se fosse algo comum. A banalidade não é normalidade, mas passa-se por ela, ocupa indevidamente o lugar da normalidade. “O mal por si nunca é trivial, embora ele possa se manifestar de tal maneira que passe a ocupar o lugar daquilo que é comum” (Assy,2001ª,p.144).

            Mas como o mal pode tornar-se banal? Como a monstruosidade dos assassinatos em massa puderam tornar-se fatos corriqueiros, trivializados, como se fossem comuns? Como o mal pôde ocupar o lugar da normalidade e esconder o seu próprio horror? Essa resposta só pode ser encontrada em cima de dois termos que a filósofa usa para responder a esses questionamentos: superficialidade e a superfluidade. O mal se torna banal porque os seus agentes são superficiais e suas vitimas consideras supérfluas.