terça-feira, 15 de julho de 2014

"Foram felizes para sempre"

            Essa história de: “foram felizes para sempre...” fantasiou e ainda fantasia a cabeça de muitas mulheres e diria até homens quando pensamos no que venha a ser um amor de verdade ou um amor duradouro.
            Fomos influenciados ao longo de nossa história em acreditar que existe sim um príncipe e uma princesa encantada nos esperando em algum canto, montado talvez não mais num cavalo branco, mas pelo menos numa moto ou bicicleta.
            Podemos dizer que o amor é uma construção cultural, variando de um povo para o outro. Citamos como exemplo o amor romântico construído pelo romantismo ou mesmo o amor cortês, criado pela Europa medieval, que tinha que controlar forças que estavam demasiado soltas depois da invasão dos bárbaros.
            Ana Maria Machado escritora, acredita que  “a mulher capta o amor sobretudo pela palavra” e o homem pode até não ser bonito, mas se ele chega com uma conversa macia, dizendo as palavras certas, imediatamente torna-se fascinante, sedutor.  É o papel pedagógico e catequético da literatura, ensinar e mostrar a ilusão da perfeição do amor, sugerindo para cada um que as coisas possuem um começo, um meio e um fim, e que elas fazem sentido e o final é feliz. Deve ser muito chato ser “feliz para sempre”, é melhor ser feliz várias vezes, em vários momentos.
            Jurandir Freire Costa, psicanalista observa que atualmente vivemos num pós-romantismo, saindo de uma fase em que o sentimento era muito valorizado para uma etapa em que se valoriza a sensação. Acho muito apropriado essa observação, pois essa sensação caminha muito próxima da paixão que etimologicamente esta na raiz de “patologia”, pathos, que liga-se ao sofrimento.
Paixão tem de ser aquilo que vai desencadear o impulso, mas o que vai manter a ligação é o sentimento só que é necessário entender que ser feliz é fazer sacrifícios.
            Queremos que o amor seja absoluto e que seja eterno. Isso se torna causa de angustia, tensão, estresse e infelicidade do homem e da mulher contemporâneos, por não conseguirem construir aquele amor ideal que, na verdade, foi divinizado. Nós transferimos para o amor as qualidades de Deus, mas não estamos conseguindo transferir para o amor entre homem e mulher um elemento de ligação (‘religião’ que significa re-ligar). Em outros tempos seria impossível falar em amor sem falar em amor a Deus e ao próximo. As religiões são fundadas na noção de amor. Falta “religião” no amor.
            O ser humano vive uma liberdade e se considera liberal nos tempos atuais em diversos contextos, sejam eles sexuais ou de convívio, mas quando o assunto é relacionamento, ele prende, cerca-se, fecha-se, sufoca o outro para dentro de si. É um medo de perder algo que nunca possuirá por completo.

            Falta nos relacionamentos mais interrogação do que exclamação, pois o ponto de exclamação é um traço reto com um ponto embaixo, que corta, divide, termina, sentencia a conversa, como um punhal. Enquanto a interrogação é curva, como a vida que não possui uma reta, mas que vai se dobrando e desdobrando em cada novo dia, no formato também de uma orelha, que quer escutar a resposta do outro. A interrogação é como o anzol que busca pescar a verdade e talvez o “feliz para sempre” tenha sido uma verdade contada tantas vezes em nossa literatura que acabamos achando possível escrevê-la em nossa vida.