sexta-feira, 11 de julho de 2014

O Sentido do Sentido: uma resposta a Alberto Caeiro

"Porque o único sentido oculto das coisas
É elas não terem sentido oculto nenhum,
É mais estranho do que todas as estranhezas
E do que os sonhos de todos os poetas
E os pensamentos de todos os filósofos,
Que as coisas sejam realmente o que parecem ser
E não haja nada que compreender.

Sim, eis o que os meus sentidos aprenderam sozinhos: —
As coisas não têm significação: têm existência.
As coisas são o único sentido oculto das coisas".

                Desculpa Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa), mas tenho que discordar de seu pensamento.  Não há como ser, ser humano e não dar sentido as coisas. O ser humano é aquele que coloca palavra no nada, é aquele que põe significância ao significado. Se não houvesse você, eu, não haveria sentido algum e em nada. Talvez até existisse apenas o nada, ou não, porque para existir o nada é necessário existir um alguém. Agostinho mesmo diz que: “para que houvesse um inicio, o homem foi criado, sem que antes dele ninguém o fosse”. Alberto, não somos um algo, mas somos um alguém.
                Não existe apenas a existência, existe aquele que coloca a existência no verbo existir. Um animal não sabe que existe e nem tem crise existencial. Nós (alguém) é que passamos a colocar existência nele e em nós mesmo.
                Talvez a sua crítica seja com relação ao sentido das coisas. Parece que você diz que as coisas existem e ponto. Não há sentido para elas existirem e novamente discordo. O homem é um fabricador de sentidos. Se não há sentido o homem fica inquieto.
                Jean Paul Sartre,defende um existencialismo ateu e quer mostrar no texto: O Existencialismo é um humanismo que o homem existe antes de tudo porque é ele quem coloca a categoria de ser algo. “O homem é, inicialmente, um projeto que se vive enquanto sujeito, e não como um musgo, um fungo ou uma couve-flor; nada existe anteriormente a esse projeto; nada existe de inteligível sob o céu e o homem será, antes de mais nada, o que ele tiver projetado ser”. (SARTRE,1996,p.26)
                Percebe Alberto, como o texto de Sarte faz consonância com o texto de Agostinho do século III? O homem coloca sentido nas coisas e faz parte quase que da sua biologia. Um homem sem sentido não encontra sentido em ser homem. E depois do seculo XVIII com o ateísmo filosófico, onde a ideia de Deus foi suprimida, o sentido foi ainda mais buscado em cada pessoa.
                É interessante perceber que esse humanismo é superado por um novo giro que através de Levinas tira o “eu” e coloca o “outro, ao ponto de pronunciar que : “eu sou refém do outro”. Paul Ricouer seguira a mesma esteira da alteridade e Habermas colocará uma nova racionalidade através da comunicativa, onde a filosofia e a teologia latino-americanas atuais dão prioridade ao “nós” sobre o “eu” com ênfase na comunidade voltada para a prática da justiça.
                Maria Clara Bingemer, teóloga e escritora do livro:O Mistério e o Mundo mostra que a modernidade prometeu um mundo sem Deus colocando todas as suas esperanças no mercado, na tecnologia e nas ciências e o resultado pode ser facilmente sintetizado em: duas guerras mundias e numa  crise ética e moral sem precedentes na história da nossa sociedade. Tirar aquilo que dá sentido ao humano e pode ser o máximo do metafísico que é a figura de um Deus, é correr um risco de transformarmos nosso mundo numa Sodoma e numa Gomarra.
                Papa Pio XII já dizia que: “o pecado deste século é a perda do sentido de pecado”. Ratzinger segue o mesmo discurso e vê uma crise justamente nessa perda de sentido. Agora, como que você pode me dizer que não tem sentido em colocar sentido as coisas? Nem que eles são morais e éticos?  
                Seu poema me abre os olhos também sobre a importância de crer. O que é ter fé senão colocar sentido? O papel da religião talvez seja justamente isso: colocar sentido, dar caminho. A minha razão pede mais do que uma religião,um ser metafisico que coloca sentido e base para meus pensamentos. Se “Deus está morto”, como anunciou nosso irmão na fé Nietzsche, como explicar essa efervescência religiosa do nosso século?
                Gianni Vattimo, filósofo italiano usa uma expressão para explicar esse movimento da sociedade. Para ele o que esta ocorrendo é um retorno a religião, um retorno em busca de sentidos. Penso eu que talvez nem tanto a busca seja de religião, mas de espiritualidade que coloca sentido as coisas. Nietzsche e a modernidade prometeram um super homem, mas o que nos entregaram foi um velho gibi com histórias antigas.
                A religião, e mais do que ela, crer, demonstra que o ser humano é um ávido animal desejante por sentidos. “Crer significa possuir uma confiança básica na vida. Contar com uma convicção não demonstrável, mas segura, de que a vida e o mundo possuem um sentido, uma lógica e uma finalidade, ainda que às vezes dificilmente compreensível”. (BINGEMER,2013,p.181).
                A fé, aquilo que de certa forma da sentido as coisas é um escândalo para a razão como São Paulo disse: ‘credo quia absurdum”, mas quem é racional o tempo inteiro talvez perca alguns sentidos da vida.

                E o que é estar vivo? Talvez para você Alberto, nada,mas para tantos outros, tudo. Depende do sentido que você coloca.