sexta-feira, 27 de junho de 2014

O “Não é possível” da fé - Kafka

           Franz Kafka no livro organizado por Modesto Carone – um especialista do autor no Brasil – chamado Essencial, coloca no final de sua obra, antes do clássico A Metamorfose, alguns aforismos do autor.  
            Aforismo tem como característica uma escrita limitada, breve por definição, mostrando como que uma sentença, resumindo uma doutrina. Nessa reunião de textos kafkianos, citado acima, o organizador propõe 109, e o último nós colocamos como reflexão:
            “Não se pode dizer que estamos carentes de fé. O simples fato de nossa vida é, por si só, inesgotável em seu valor de fé.  Seria isso um valor de fé? Não é possível não viver. Já nesse ‘não é possível’ reside a força insana da fé; é nessa negação que ela assume sua forma”.
            Não recorrendo à religião, nem em livros sagrados, mas utilizando de um autor do século XIX, comparado a Proust e Joyce, Kafka tenta resumir o que venha a ser a fé. Ter fé para ele – e aqui opinião de um simples leitor – nada mais é do ver nesse “não é possível” toda a síntese do acreditar.
            A fé – e aqui pode ser em Deus ou algo menos metafísico – é justamente esse confiar no impossível. Naquilo que não encontra mais explicações racionais.
            Não estamos dizendo que ter fé é irracional, mas é a resposta que preenche o espaço da dúvida num mundo onde a falta de sentido ganhou sentido no recebimento de um sms pelo celular ou numa demonstração de carinho virtual por uma rede social.
            Encontramos essa impossibilidade em diversas frases do nosso cotidiano: “não é possível que o mundo tenha sido criado do acaso” ou mesmo “não é possível sair daquela cirurgia” e tantas outras exclamações que vamos pronunciando ao longo da vida sem compreender que ali esta subentendido um sentimento de fé.
            Ter fé é mais do que um conceito religioso.  É um motor de vida.  Ter fé é acreditar até o fim que existe algum sentido em algum lugar, em alguma ação.
            Hannah Arendt em seu texto Compreensão e Política chega a pronunciar que a divisão esta no pensamento, enquanto a união esta na fé. “A Razão é o que nos divide, a fé é o que nos uni”. E não entendo aqui apenas como fato religioso, mas perpasso essa conceitualização entendendo fé em acreditar que somos um povo unido – mesmo com tanta diversidade – devido ao acreditar em melhoras, acreditar em reconciliação, em acreditar na humanidade, no outro, possuímos essa união.