Franz Kafka no livro organizado por Modesto Carone – um especialista
do autor no Brasil – chamado Essencial, coloca
no final de sua obra, antes do clássico A
Metamorfose, alguns aforismos do autor.
Aforismo
tem como característica uma escrita limitada, breve por definição, mostrando
como que uma sentença, resumindo uma doutrina. Nessa reunião de textos
kafkianos, citado acima, o organizador propõe 109, e o último nós colocamos
como reflexão:
“Não se
pode dizer que estamos carentes de fé. O simples fato de nossa vida é, por si só,
inesgotável em seu valor de fé. Seria isso
um valor de fé? Não é possível não viver. Já nesse ‘não é possível’ reside a
força insana da fé; é nessa negação que ela assume sua forma”.
Não recorrendo
à religião, nem em livros sagrados, mas utilizando de um autor do século XIX,
comparado a Proust e Joyce, Kafka tenta resumir o que venha a ser a fé. Ter fé
para ele – e aqui opinião de um simples leitor – nada mais é do ver nesse “não
é possível” toda a síntese do acreditar.
A fé – e
aqui pode ser em Deus ou algo menos metafísico – é justamente esse confiar no impossível.
Naquilo que não encontra mais explicações racionais.
Não
estamos dizendo que ter fé é irracional, mas é a resposta que preenche o espaço
da dúvida num mundo onde a falta de sentido ganhou sentido no recebimento de um
sms pelo celular ou numa demonstração de carinho virtual por uma rede social.
Encontramos
essa impossibilidade em diversas frases do nosso cotidiano: “não é possível que
o mundo tenha sido criado do acaso” ou mesmo “não é possível sair daquela
cirurgia” e tantas outras exclamações que vamos pronunciando ao longo da vida
sem compreender que ali esta subentendido um sentimento de fé.
Ter fé é
mais do que um conceito religioso. É um
motor de vida. Ter fé é acreditar até o
fim que existe algum sentido em algum lugar, em alguma ação.
Hannah
Arendt em seu texto Compreensão e
Política chega a pronunciar que a divisão esta no pensamento, enquanto a união
esta na fé. “A Razão é o que nos divide, a fé é o que nos uni”. E não entendo
aqui apenas como fato religioso, mas perpasso essa conceitualização entendendo
fé em acreditar que somos um povo unido – mesmo com tanta diversidade – devido ao
acreditar em melhoras, acreditar em reconciliação, em acreditar na humanidade,
no outro, possuímos essa união.