sexta-feira, 27 de junho de 2014

Clarice e a Filosofia (Parte 2 de 3)

(C O N T I N U A Ç Ã O ) . . . 
           
        Um segundo momento que utilizamos como análise foi o texto escolhido por Adriano Lisboa do livro Felicidade Clandestina, chamado: Menino a bico de Pena.
            Nesse conto, Clarice conta a visão de um menino pequeno, que ainda mal se sustenta com as próprias pernas e duas frases nos servem como análise. A primeira que esta dentro deste parágrafo:

[...]Cambaleia sobre as pernas, com a atenção inteira para dentro: todo o seui equilíbrio é interno. Conseguindo isso, agora a inteira atenção para fora: ele observa o que o ato de se erguer provocou. Pois levantar-se teve consequências e consequências (LISPECTOR, 1999,p.22)

            “Pois levantar-se teve consequências e consequências”. É com essa frase que podemos filosofar pensando que o ato de levantar, é o ato de ser visto, de ser alguém.  Quem levanta, levanta para fazer alguma coisa. Esse ato de estar em pé é um movimento de ação, de agir.  E isso concorre para consequências. Quem fala, quem “levanta-se” na vida, provoca efeitos aos que observam quem se levantou.
            Dante Alighieri (1265 – 1321), poeta, escritor e político italiano utiliza da ação como forma de revelar quem se é. “Pois em toda ação o que é visado primeiramente pelo agente, quer ele aja por necessidade natural ou por livre arbítrio, é revelar sua própria imagem”.

            Hannah Arendt também trabalha com o conceito de ação, sendo parte da condição humana entendida por ela. É a ação, esse “levantar-se” que faz a pluralidade humana, que ao mesmo tempo trás uma igualdade, pois todos se entendem quando falam, e também, ao mesmo tempo, todos são distintos, pois cada um, com a ação, possui a categoria de ser único. “Agir [diz ela] em seu sentido mais geral, significa tomar iniciativa, iniciar (como indica a palavra grega archein, ‘começar’, ‘conduzir’ e, finalmente ‘governar’) imprimir movimento a alguma coisa” (ARENDT, 2012, p.221). Nessa esteira de pensamento, encontramos também Santo Agostinho que entende o nascimento do homem, como principio do início de alguém. Sem o ser humano nada haveria iniciado. “para que houvesse um inicio, o homem foi criado, sem que antes dele ninguém o fosse” (AGOSTINHO, 2012, p.20). Não é um algo, mas um alguém que, ele próprio, é um iniciador. Esse levantar-se que Clarice diz que gera consequência ainda faz sonoridade com Arendt quando ela diz: “O fato de o homem ser capaz de agir significa que se pode esperar dele o inesperado, que ele é capaz de realizar o infinitamente improvável” (ARENDT, 2012, p.222). 

( C O N T I N U A . . . )