terça-feira, 24 de novembro de 2015

Submissão, um livro de Michel Houellebecq

Um livro extremamente atual para se ler e conversar, ainda mais após os atentados na França neste mês de Novembro.
Houellebecq nos convida a participar de uma eleição presidencial francesa, onde, de um lado temos um partido muçulmano e do outro, um partido de extrema direita. O personagem principal é um professor universitário, de literatura, deprimido e rotineiro, que não encontra muitas felicidades na vida.
A obra por um longo tempo explora esta tensão entre a possibilidade de um partido muçulmano ganhar as eleições e as revoltas civis ao longo de toda a França que não concordam com esta possibilidade.
Penso, que Houellebecq acerta a mão em trazer um assunto fantástico para a literatura, mas este acerto não se ratifica quando lemos seu livro. Falto bagagem, história e dinamismo no enredo. O leitor, ao acabar o livro se pergunta: era isso? Um assunto tão bom, para terminar desta maneira?
Talvez o erro não seja do autor, mas nosso, que esperamos da literatura grandes momentos, conflitos e soluções mágicas. Submissão (2015) não trouxe isto e penso que não era trazer. Michel Houellebecq pode muito bem ter pensado sem grandes expectativas e nos colocado a seguinte afirmação: "é isso mesmo! Se um partido muçulmano ganhar as eleições na França,não temos por que imaginar que estaríamos a beira de uma terceira guerra mundial".
O assunto vale o livro, mas o livro não preenche todo o assunto.

José Saramago: As intermitências da Morte

Foi o primeiro livro que li de Saramago e já posso dizer que virei seu leitor. A maneira como ele conduz a história, não deixando o folego e a atenção do leitor se perder e as situações hipotéticas que ele cria, fazem de sua narrativa um belo convite para quem quer se aventurar e aprofundar seus gostos literários.  – Não da para viver de culpa das estrelas para sempre.
Imagine, se na virada do ano a morte deixasse de existir. Ou melhor, a morte desse uma pausa em seus "trabalhos". É a partir desta premissa que a obra As intermitências da Morte (2005) chama a atenção. Primeiro, pelo assunto fantástico e a questão: como ele vai resolver e dar volume a esta história? Segundo, a possibilidade de refletir a importância deste acontecimento na vida de todos, e, que consequências drásticas isto pode causar ao mundo.
Saramago começa seu enredo sem rodeios, prendendo logo no primeiro parágrafo a maioria de seus leitores:
 “No dia seguinte ninguém morreu. O facto, por absolutamente contrário às normas da vida, causou nos espíritos uma perturbação enorme, efeito em todos os aspectos justificado, basta que nos lembremos de que não havia notícia nos quarenta volumes da história universal, nem ao menos um caso para amostra, de ter alguma vez ocorrido fenómeno semelhante, passar-se um dia completo, com todas as suas pródigas vinte e quatro horas, contadas entre diurnas e noturnas, matutinas e vespertinas, sem que tivesse sucedido um falecimento por doença, uma queda mortal, um suicídio levado a bom fim, nada de nada, pela palavra nada” (SARAMAGO, 2005, p11).
A história, para quem começa a lê-la se compreende em um país hipotético onde a morte deixa de existir e os personagens da trama, seus cidadãos, terão que lidar com esta novidade. Os hospitais, as pessoas que estavam à beira da falência, a rainha deste país que estava falecendo e não mais morreu, ou seja, Saramago nos capítulos iniciais vai demonstrando o que acarreta a saída da morte na vida das pessoas. As clinicas de repouso, os agentes funerários, a própria religião (e ai é interessante lembrarmos que o autor é um ferrenho ateu) e o próprio estado civil, a política. Em uma conversa entre o primeiro-ministro (estado) e o Papa (religião) esta problemática se evidencia:
“Diga, Que irá fazer a igreja se nunca mais ninguém morrer, Nunca mais é demasiado tempo, mesmo tratando-se da morte, senhor primeiro-ministro, Creio que não me respondeu, eminência, Devolvo-lhe a pergunta, que vai fazer o estado se nunca mais ninguém morrer, O estado tentará sobreviver, ainda que eu muito duvide de que o venha a conseguir, mas a igreja, A igreja, senhor primeiro-ministro, habituou-se de tal maneira às respostas eternas que não posso imaginá-la a dar outras, Ainda que a realidade as contradiga, Desde o princípio que nós não temos feito outra cousa que contradizer a realidade, e aqui estamos” (SARAMAGO, 2005,p.20).
É importante salientarmos que as pessoas continuam envelhecendo. Elas não morrem, mas seu corpo biológico continua em processo de envelhecimento, surgindo assim, cemitérios de pessoas vivas.  A morte só existirá nos países vizinhos o que acarretará o surgimento de máfias que se propõem a levar as pessoas para morrerem nas fronteiras do país, suscitando um problema para o Estado. 
De um tema que na teoria, não podíamos imaginar que houvesse folego, Saramago não só coloca folego a temática, como nos faz correr longas distancias ao ponto de percebermos que a história não é sobre um país, nem sobre seus cidadãos que enfrentam essa novidade, “benção”, castigo, mas é a história da própria morte.
A morte passa a ser um personagem, e sendo um personagem nos convida para compreende-la enquanto tal. Acredito, que o livro As Intermitências da Morte nos propõe inúmeras reflexões, mas acima de tudo, o final que o autor português nos apresenta, é um final surpreendente que nos deixa parados, diante de tamanha astucia e originalidade literária.
Pena que a morte não parou para José Saramago.


quinta-feira, 23 de abril de 2015

Com a “morte de Deus” Deus ressuscita



O homem “evolui” a estágios nunca antes vistos na história deste planeta. Hoje, ele busca colocar em lei que matar não “é tão crime assim”; que criança não pensa e por isso, pode ser descartada numa lata de lixo, ou em hospitais que beiram estados de lixeira; que um bandido “não é tão bandido” – culpa é da Nike, da Coca-Cola, dos EUA e do Mc Donald’s – demônios do capitalismo, que fizeram aquele pobre coitado não querer o suar do trabalho, e, sim, preferir o suor da fuga da política e da lei. Evoluiu tanto e tanto que chegou aos céus, e ao ver Deus no trono celeste decidiu, sem cerimonias: “Já que cheguei até aqui – pensou este homem - desce dai, o lugar é meu!”.
O homem que Nietzsche formula é aquele que decreta a “morte de deus”. Mas o próprio filósofo alemão adverte que não é a morte “física” do divino, somente o “Deus moral foi superado”. Em outros de seus textos, Nietzsche conclui que este falecimento ainda deixará rastros, sombras que continuaram a se projetar sobre nosso mundo.
Na obra Depois da Cristandade (2004), do filósofo italiano Gianni Vattimo, o autor esta problematizando justamente esta questão: “até que ponto, o que Nietzsche chama de morte de Deus (ou superação do Deus moral), [...] implica realmente o término de qualquer possível experiência religiosa”.
Para Vattimo (2004) a crença em um Deus foi um agente muito poderoso tanto no campo da razão, quanto no campo da disciplina. Esta crença permitiu não só a saída do primitivismo, como também o favorecimento da construção de uma visão cientifica do mundo.
Se por um tempo Deus foi tão necessário para a construção do individuo, hoje, no estado civil – onde a técnica suplanta a vida – ele é descartado, colocado como uma mentira, que por um tempo foi útil, mas que agora não possui utilidade nenhuma. Esta é a própria defesa do mundo tecnicista: se não há utilidade não tem por que existir. Será nesta esteira de pensamento que Nietzsche afirmará que quem matou deus foram os próprios fiéis.
Com a morte de Deus, o “único” deu lugar ao “múltiplo”. Entramos na construção da torre de babel, onde a ideia unificada de cultura, lei, religião, homem, progresso – e a própria unidade do mundo – fragmentou-se diante da pluralidade. É como se antes da morte de Deus, houvesse um único jeito de pensar, ser e agir. Após seu falecimento, toda uma multiplicidade de opções apresentou-se diante dos olhos do homem e a própria concepção de verdade seguiu o mesmo caminho. Se antes a verdade era Deus, com sua morte, surge a questão: o que é a verdade agora?
Nietzsche ao “matar Deus”, afirmava que em seu lugar nasceriam novos deuses, e acredito, assim como Vattimo, que ele estava correto. O mundo contemporâneo faz inveja a toda mitologia grega e romana. Quando o deus cristão foi morto, o mundo se abriu aos deuses de todo o mundo, ou seja, saímos da ideia europeia, cristã de deidade, e passamos a conhecer deuses das mais diferentes religiões espalhadas por todo o globo terrestre.
Mas, Nietzsche, ao atirar para matar Deus, erra o alvo e acaba atirando no próprio pé. A porta que ele fecha na cara de Deus e abre para o pluralismo, é a mesma porta que fará Deus entrar na sociedade novamente.  Quando ele afirma que “Deus morreu”, e entendemos esta morte como o fim de uma verdade única, de uma moral única, ele abriu não só para a pluralidade de novos pensamentos, mas também para o próprio deus existir nesta pluralidade. Se antes Deus era único, com sua morte anunciada por Nietzsche ele passa a ser mais um, e não morre definitivamente.
Agora, Deus tem “companhia” e saber conversar com os outros é o principio legitimo de uma sociedade que se diz evoluída e que respeita os diferentes. Aqui está a gênese desta nova história: entender o que é diferente religiosamente e até que ponto este diferente se caracteriza como tal e não como afronta aos princípios de vida e liberdade.
O problema não encontra-se na existência de Deus, mas na no “como” você faz esta presença ser sentida no mundo seu e dos demais.