quinta-feira, 23 de abril de 2015

Com a “morte de Deus” Deus ressuscita



O homem “evolui” a estágios nunca antes vistos na história deste planeta. Hoje, ele busca colocar em lei que matar não “é tão crime assim”; que criança não pensa e por isso, pode ser descartada numa lata de lixo, ou em hospitais que beiram estados de lixeira; que um bandido “não é tão bandido” – culpa é da Nike, da Coca-Cola, dos EUA e do Mc Donald’s – demônios do capitalismo, que fizeram aquele pobre coitado não querer o suar do trabalho, e, sim, preferir o suor da fuga da política e da lei. Evoluiu tanto e tanto que chegou aos céus, e ao ver Deus no trono celeste decidiu, sem cerimonias: “Já que cheguei até aqui – pensou este homem - desce dai, o lugar é meu!”.
O homem que Nietzsche formula é aquele que decreta a “morte de deus”. Mas o próprio filósofo alemão adverte que não é a morte “física” do divino, somente o “Deus moral foi superado”. Em outros de seus textos, Nietzsche conclui que este falecimento ainda deixará rastros, sombras que continuaram a se projetar sobre nosso mundo.
Na obra Depois da Cristandade (2004), do filósofo italiano Gianni Vattimo, o autor esta problematizando justamente esta questão: “até que ponto, o que Nietzsche chama de morte de Deus (ou superação do Deus moral), [...] implica realmente o término de qualquer possível experiência religiosa”.
Para Vattimo (2004) a crença em um Deus foi um agente muito poderoso tanto no campo da razão, quanto no campo da disciplina. Esta crença permitiu não só a saída do primitivismo, como também o favorecimento da construção de uma visão cientifica do mundo.
Se por um tempo Deus foi tão necessário para a construção do individuo, hoje, no estado civil – onde a técnica suplanta a vida – ele é descartado, colocado como uma mentira, que por um tempo foi útil, mas que agora não possui utilidade nenhuma. Esta é a própria defesa do mundo tecnicista: se não há utilidade não tem por que existir. Será nesta esteira de pensamento que Nietzsche afirmará que quem matou deus foram os próprios fiéis.
Com a morte de Deus, o “único” deu lugar ao “múltiplo”. Entramos na construção da torre de babel, onde a ideia unificada de cultura, lei, religião, homem, progresso – e a própria unidade do mundo – fragmentou-se diante da pluralidade. É como se antes da morte de Deus, houvesse um único jeito de pensar, ser e agir. Após seu falecimento, toda uma multiplicidade de opções apresentou-se diante dos olhos do homem e a própria concepção de verdade seguiu o mesmo caminho. Se antes a verdade era Deus, com sua morte, surge a questão: o que é a verdade agora?
Nietzsche ao “matar Deus”, afirmava que em seu lugar nasceriam novos deuses, e acredito, assim como Vattimo, que ele estava correto. O mundo contemporâneo faz inveja a toda mitologia grega e romana. Quando o deus cristão foi morto, o mundo se abriu aos deuses de todo o mundo, ou seja, saímos da ideia europeia, cristã de deidade, e passamos a conhecer deuses das mais diferentes religiões espalhadas por todo o globo terrestre.
Mas, Nietzsche, ao atirar para matar Deus, erra o alvo e acaba atirando no próprio pé. A porta que ele fecha na cara de Deus e abre para o pluralismo, é a mesma porta que fará Deus entrar na sociedade novamente.  Quando ele afirma que “Deus morreu”, e entendemos esta morte como o fim de uma verdade única, de uma moral única, ele abriu não só para a pluralidade de novos pensamentos, mas também para o próprio deus existir nesta pluralidade. Se antes Deus era único, com sua morte anunciada por Nietzsche ele passa a ser mais um, e não morre definitivamente.
Agora, Deus tem “companhia” e saber conversar com os outros é o principio legitimo de uma sociedade que se diz evoluída e que respeita os diferentes. Aqui está a gênese desta nova história: entender o que é diferente religiosamente e até que ponto este diferente se caracteriza como tal e não como afronta aos princípios de vida e liberdade.
O problema não encontra-se na existência de Deus, mas na no “como” você faz esta presença ser sentida no mundo seu e dos demais.