O homem “evolui”
a estágios nunca antes vistos na história deste planeta. Hoje, ele busca
colocar em lei que matar não “é tão crime assim”; que criança não pensa e por
isso, pode ser descartada numa lata de lixo, ou em hospitais que beiram estados
de lixeira; que um bandido “não é tão bandido” – culpa é da Nike, da Coca-Cola,
dos EUA e do Mc Donald’s – demônios do capitalismo, que fizeram aquele pobre
coitado não querer o suar do trabalho, e, sim, preferir o suor da fuga da
política e da lei. Evoluiu tanto e tanto que chegou aos céus, e ao ver Deus no
trono celeste decidiu, sem cerimonias: “Já que cheguei até aqui – pensou este
homem - desce dai, o lugar é meu!”.
O homem que
Nietzsche formula é aquele que decreta a “morte de deus”. Mas o próprio filósofo
alemão adverte que não é a morte “física” do divino, somente o “Deus moral foi
superado”. Em outros de seus textos, Nietzsche conclui que este falecimento
ainda deixará rastros, sombras que continuaram a se projetar sobre nosso mundo.
Na obra Depois da Cristandade (2004), do filósofo
italiano Gianni Vattimo, o autor esta problematizando justamente esta questão: “até
que ponto, o que Nietzsche chama de morte de Deus (ou superação do Deus moral),
[...] implica realmente o término de qualquer possível experiência religiosa”.
Para Vattimo
(2004) a crença em um Deus foi um agente muito poderoso tanto no campo da
razão, quanto no campo da disciplina. Esta crença permitiu não só a saída do
primitivismo, como também o favorecimento da construção de uma visão cientifica
do mundo.
Se por um tempo
Deus foi tão necessário para a construção do individuo, hoje, no estado civil –
onde a técnica suplanta a vida – ele é descartado, colocado como uma mentira,
que por um tempo foi útil, mas que agora não possui utilidade nenhuma. Esta é a
própria defesa do mundo tecnicista: se não há utilidade não tem por que
existir. Será nesta esteira de pensamento que Nietzsche afirmará que quem matou
deus foram os próprios fiéis.
Com a morte de
Deus, o “único” deu lugar ao “múltiplo”. Entramos na construção da torre de
babel, onde a ideia unificada de cultura, lei, religião, homem, progresso – e a
própria unidade do mundo – fragmentou-se diante da pluralidade. É como se antes
da morte de Deus, houvesse um único jeito de pensar, ser e agir. Após seu
falecimento, toda uma multiplicidade de opções apresentou-se diante dos olhos
do homem e a própria concepção de verdade seguiu o mesmo caminho. Se antes a
verdade era Deus, com sua morte, surge a questão: o que é a verdade agora?
Nietzsche ao “matar
Deus”, afirmava que em seu lugar nasceriam novos deuses, e acredito, assim como
Vattimo, que ele estava correto. O mundo contemporâneo faz inveja a toda
mitologia grega e romana. Quando o deus cristão foi morto, o mundo se abriu aos
deuses de todo o mundo, ou seja, saímos da ideia europeia, cristã de deidade, e
passamos a conhecer deuses das mais diferentes religiões espalhadas por todo o
globo terrestre.
Mas, Nietzsche,
ao atirar para matar Deus, erra o alvo e acaba atirando no próprio pé. A porta
que ele fecha na cara de Deus e abre para o pluralismo, é a mesma porta que
fará Deus entrar na sociedade novamente. Quando ele afirma que “Deus morreu”, e
entendemos esta morte como o fim de uma verdade única, de uma moral única, ele
abriu não só para a pluralidade de novos pensamentos, mas também para o próprio
deus existir nesta pluralidade. Se antes Deus era único, com sua morte anunciada
por Nietzsche ele passa a ser mais um, e não morre definitivamente.
Agora, Deus tem
“companhia” e saber conversar com os outros é o principio legitimo de uma
sociedade que se diz evoluída e que respeita os diferentes. Aqui está a gênese desta
nova história: entender o que é diferente religiosamente e até que ponto este
diferente se caracteriza como tal e não como afronta aos princípios de vida e
liberdade.
O problema não
encontra-se na existência de Deus, mas na no “como” você faz esta presença ser
sentida no mundo seu e dos demais.